Na sociedade há dois meios possíveis de interação: a razão e a força. Substituir a razão por mistificação só interessa a quem pretende impor a força. As esquerdas e os populistas usam palavras para provocar emoções, não para transmitir idéias. Isto lhes é necessário, pois a política que defendem é a imposição da força sobre o indivíduo. Ninguém aceitaria isto se entendesse o que está em jogo.
Roubar palavras é artifício constante no discurso esquerdista e populista e deixa o adversário despreparado sem reação. Quem defende a liberdade precisa conhecer os artifícios de quem a pretende destruir.
Justiça é um conceito altamente abstrato. Isto não significa de forma alguma que é um conceito vago ou que pode ter vários significados diferentes. Significa que é um conceito que requer o desenvolvimento de uma longa cadeia de conceitos precedentes para ser corretamente compreendido.
Conceitos abstratos são os mais susceptíveis ao roubo de palavras. Subverter um conceito com um baixo nível de abstração significa contrariar a realidade de maneira evidente, pois o interlocutor provavelmente conhece a definição objetiva daquele conceito.
Por outro lado, muitas pessoas não têm conhecimento de toda a cadeia indutiva que leva aos conceitos mais abstratos. Sabem o que significam “na prática”, mas não conseguem defini-los com rigor. Nestes casos, é fácil usar a palavra que conhecem e associam implicitamente com este sentimento – para dizer algo completamente diferente.
Justiça é um conceito ético. Isto significa que é um conceito que se refere às escolhas que as pessoas fazem. Compreender o que significa “justiça” é compreender o que é a ética, e como ela se aplica à interação entre pessoas. Isto por sua vez requer conhecer a natureza do ser humano, indivíduo dotado de razão.
Não é objeto deste texto desenvolver o conceito de justiça. Aqui é suficiente mostrar como compreender o significado de “justiça” requer compreender uma série de outros conceitos já abstratos, embora mais próximos da percepção direta.
Justiça significa agir para com os outros de maneira consistente com o que eles são, com sua natureza e com seus atos. Justiça é tornar a forma como se trata as pessoas uma conseqüência das escolhas destas pessoas, de suas ações e motivações.
Se uma pessoa comete um crime, viola intencionalmente a vida, propriedade ou liberdade de alguém, é justo tratá-la como um predador, um ser que vive pela força e não pela razão. É justo reagir à força quando alguém lhe ameaça ou agride pela força primeiro.
Se uma pessoa não viola os direitos do próximo, não mata, não rouba e não escraviza, é justo tratá-la como um ser que vive pela razão. É injusto usar a força contra esta pessoa – mesmo que se discorde de suas escolhas.
Há dois aspectos fundamentais ao conceito de justiça: trata-se de agir com base no resultado de um julgamento, portanto é algo fundamentalmente humano. O acaso, leis da natureza e seres irracionais são incapazes de serem justos ou injustos. E trata-se de reconhecer a causalidade, identificar as conseqüências das escolhas de outra pessoa e reagir de acordo.
O conceito de justiça é enfraquecido pelo uso corriqueiro. É comum chamar de “injustiça” quando uma pessoa boa sofre um revés por acaso, como um desastre natural, um acidente ou uma doença. Mas o acaso não é justo nem injusto, ele simplesmente acontece.
Injustiça é agir intencionalmente de forma incoerente com as ações dos outros. Um chefe que dá um aumento para seu amigo em vez de para o funcionário mais eficiente está sendo injusto. Se o amigo do chefe ganha (sem trapaça) a rifa da empresa, isto não é uma injustiça. Embora o resultado seja o mesmo, o amigo ter mais dinheiro que o bom funcionário, este segundo exemplo é apenas obra do acaso.
Mas o conceito de justiça é intencionalmente roubado quando se usa a palavra “justiça” para representar o seu oposto. A esquerda faz isto através do anti-conceito “justiça social”.
“Justiça social”, no discurso esquerdista, é sinônimo de igualdade de condição. Uma sociedade “mais justa” é uma sociedade mais igualitária. Toda desigualdade é tratada como injustiça.
Note-se de imediato que o conceito verdadeiro de justiça é o da causa e conseqüência: é justo agir de forma consistente com a conseqüência dos atos do outro. Igualdade é absolutamente incompatível com o conceito objetivo de justiça.
Somos todos diferentes em capacidade, motivação e condição inicial – que por sua vez resulta da capacidade e motivação de nossos antepassados. Para que se atinja a igualdade de condição, dada a desigualdade de ação, é preciso não agir de acordo com as causas e conseqüências das ações individuais.
Para fazer “justiça social” é preciso ser injusto – por definição.
Por que os esquerdistas roubam a palavra justiça para si? Caso defendessem abertamente a igualdade social – que seria o termo honesto para o que pregam – as esquerdas estariam abertas à pertinente e devastadora crítica de que a igualdade é brutalmente injusta: dá a quem faz menos benefícios que não merece e tira de quem faz muito os frutos de seu esforço.
Roubar a palavra “justiça” destrói de antemão a mais poderosa objeção racional ao ideário da esquerda. O defensor da liberdade individual fica na posição de ter de explicar porque “justiça social” não é justiça coisa nenhuma – um argumento complexo, abstrato e inacessível para muitos.
Aos desonestos esquerdistas e populistas fica a associação emotiva fácil da palavra “justiça” com aquilo que estão propondo, isto sim imediato e de ampla receptividade – apesar de sob esta bandeira promoverem as maiores injustiças.
Para combater o conceito de “justiça social” é preciso desmascarar a desonestidade inerente no termo. É preciso fazê-lo de forma clara e acessível. É preciso confrontar o esquerdista com a crua realidade do que significa colocar em prática este ideal.
“Então você está propondo fazer caridade com dinheiro roubado de gente inocente? Quem disse que o pobre honesto quer esmola? Que justiça é essa que defende roubar de alguém só porque ele trabalhou mais que o outro?”
Quando se deixa claro o que realmente significa “justiça social”, ela parece bem menos desejável.
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