Os dois estão separados por convicções, por formas muito diferentes de entender o que deve ser feito para tirar o Brasil do buraco e, lamentavelmente, por camadas cada vez mais profundas de ódio. Mas não há apenas crápulas de um lado, ou canalhas de outro. Nenhum deles detém o monopólio das virtudes, do esclarecimento ou da inteligência. O Brasil não está dividido entre manipulados pela mídia golpista, de um lado, e gente cega pela ideologia, do outro. Está dividido entre pessoas que pensam diferente umas das outras, e que não estão conseguindo ver acima dessa diferença.
Não sei quando vamos conseguir transpor essa muralha de rancor, se é que um dia vamos conseguir. Histórias cruéis de separação entre amigos e família, que tantas vezes ouvi contar a respeito de outros países, mas que nunca acreditei que pudessem acontecer no Brasil, viraram lugar-comum. Uma amiga está afastada da filha; outra não conversa com a sobrinha há mais de um ano, e nem tem vontade.
A internet, que eu tanto amo, piora as coisas. Pessoas escrevem desaforos que jamais diriam em voz alta, ainda que os pensassem; mas o que é pensado e não dito não magoa ninguém, e ainda pode ser remediado. A palavra escrita fica para sempre.
Há alguns dias li isso na página de um amigo:
“Sinal dos tempos: evitei dar like numa foto agora, indo contra o impulso automático, porque iria gerar mal-estar na pessoa simplesmente por ser eu”.
Por acaso, ele é um dos homens mais doces e sensíveis que conheço; a prova é, justamente, ter percebido o quanto a sua simples presença seria constrangedora. Seu crime é ser contra o governo Dilma.
Para mim, esse clima de ódio será, para sempre, a verdadeira herança maldita da política brasileira, a grande maldição que Lula lançou sobre o país ao dividi-lo oficialmente entre “nós” e “eles”, autorizando todo mundo a ofender o próximo, à esquerda e à direita, e levantando, espero que não para sempre, a tampa das nossas desavenças.
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Não se trata de nomear “representantes do mundo feminino” (!) ou minorias apenas por nomear. Envolver vozes diversas, e eventualmente dissonantes, enriquece qualquer grupo, e melhora os seus resultados. Pessoas de gêneros, etnias e classes sociais diferentes fazem diferentes perguntas e têm diferentes níveis de sensibilidade; hoje não é mais possível abrir mão dessa quantidade de experiências e interesses.
Ao mesmo tempo, quando olha para o governo, a população precisa se sentir representada — e é muito difícil para a maioria da população se sentir representada pelo grupo bisonho e quase caricatural escolhido por Temer, que em pouco ou nada lembra um “ministério de notáveis”.
Para mim, tão preocupante quanto a homogeneidade do ministério é notar a falta de fio terra do presidente interino que, como político de larga experiência, devia saber melhor onde pisa. Não é possível que ele não tenha se dado conta da péssima mensagem que a falta de diversidade do seu ministério transmitia, assim como não é possível que não tenha percebido o tamanho do impacto da extinção do MinC, outro equívoco desnecessário.
A favor do presidento destaque-se que, tendo dito e feito besteiras (no que tem sido, aliás, acompanhado pelos seus ministros), está demonstrando saber ouvir e correr atrás do prejuízo. Flávia Piovesan e Maria Silvia Bastos Marques são dois grandes nomes. Se continuar assim, o segundo escalão vai dar um banho no primeiro.
Aliás, já está dando.
Cora Rónai
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