sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Deus e o diabo em dois capítulos

Capítulo 1: a fé sobe ao palanque para 2018

A gente olha para o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e logo pressente a luz: ali está um homem de fé, um servo de Deus. Na semana passada, ele gravou uma mensagem em vídeo, numa produção bem caseira e bem cristã, em que se dirige aos evangélicos: “Me sinto muito à vontade para conversar com vocês porque temos os mesmos valores, valores da lei de Deus e dos homens, visando crescer, visando colaborar com o país. Preciso da oração de todos, estaremos aqui trabalhando, conto com vocês”.

Esse mundo brasileiro é realmente um pandeiro abençoado. Até em sua religiosidade monetária, religiosidade da qual ninguém desconfiava, o ministro copia os Estados Unidos. Nas cédulas do dólar americano, a gente lê, em maiúsculas, “IN GOD WE TRUST”. O ministro da Fazenda também “trust” nesse “God” aí. Esse negócio de God, sabe como é, a gente tem que “trust”. Será comédia? Será piada? Será um enredo maluco de escola de samba? Será a macroeconomia do Senhor? Ou será que Meirelles quer ser presidente do Brasil com o apoio da Assembleia de Deus?


Pelo sim, pelo não, “a fé não costuma faiá”. Não há de fazer mal a fé inabalável do ministro. Deus opera na reunião do Copom. Milagres nas planilhas. Um coro ecoa na sala: “Sai, depressão, sai dessa economia, que ela não te pertence!”. Outro coro, com hiperinflação de decibéis, emenda: “Em nome de Jesus, cresce, PIB!”. Eis então que, já desenganado pelos economistas, o corpo exangue das finanças públicas reage. “Aleluia, aleluia!”

O que mais comove nas aparições eclesiais de Henrique Meirelles é a autenticidade. Realmente. Quanta verdade interior! Que semblante profético! Mais que um pregador do Evangelho, o atual ministro de Michel Temer, filiado ao PSD de Gilberto Kassab, que foi também presidente do Banco Central nos dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva, é puro ecumenismo eleitoral. Nele, todas as seitas partidárias se fundem numa só voz. A voz dele, por certo.

Gilberto Kassab em pessoa, presidente do PSD, lançou o nome de Meirelles como pré-candidato à Presidência. Enquanto isso, o ministro orará, e orará, e orará para que seus cortejados evangélicos não prefiram o original. No tabuleiro que se desenha para 2018, está faltando um candidato evangélico da gema, algo como esse prefeito do Rio, Marcelo Crivella. Se um religioso com poder, com banca e com estatura para unificar as igrejas evangélicas resolver se candidato – orai, economistas do Senhor –, pode levar. Meirelles dependerá, ainda, de muita oração.

Capítulo 2: a farda conspira contra o palanque de 2018

Enquanto Meirelles invoca Deus para subir no palanque de 2018, quem corre perigo é o palanque. Há militares interessados em derrubar a democracia. Convém não esquecer o que disse o general da ativa do Exército, Antonio Hamilton Mourão. Em uma palestra numa loja maçônica de Brasília, no dia 15, ele declarou que, no entendimento de seus “companheiros do Alto-Comando do Exército”, uma “intervenção militar” virá se o Judiciário “não solucionar o problema político”.

Mourão se referia ao problema da corrupção, e foi mais do que explícito: “Ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos de impor isso”. Apologia mais escancarada do golpe militar, impossível.

Será tragédia? Será piada de mau gosto? Será revival de 1964? Será meramente loucura? Até agora, o general não foi punido nem foi medicado. Tudo como dantes no quartel dos aspirantes.

E Mourão não é uma andorinha só. Quase um ano atrás, outra alta patente fez a mesmíssima ameaça. No dia 15 de dezembro de 2016, na página 2 do jornal O Estado de S. Paulo, o general Rômulo Bini Pereira, ex-chefe do Estado-Maior do Ministério da Defesa, escreveu um artigo, “Alertar é preciso”, em que alertou mesmo: “Se o clamor popular alcançar relevância, as Forças Armadas poderão ser chamadas a intervir, inclusive em defesa do Estado e das instituições. (...). Não é apologia ou invencionice. Por isso, repito: alertar é preciso”.

Todos sabemos que um golpe militar a essa altura é improvável. Essas quarteladas estão fora de moda, todos sabemos também, e as chances para esse tipo de aventura são reduzidas. Mesmo assim, fiquemos de olho. Se há um único ponto previsível sobre o futuro, é que o futuro é imprevisível, inclusive para os apóstolos (os bons e os maus) e para os milicos (os disciplinados e os rebelados). Não subestimemos a sandice. Há megalomanias redentoras – e demoníacas – no altar e na caserna.

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