Como vimos no já publicado A Literatura da Utopia, as tentativas de adequação do presente para alcançar uma sociedade perfeita acabaram por desencadear uma desordem na organização racional do mundo. Muitas vezes, fizeram-nos viver submetidos a valores distorcidos e no risco de uma eterna aceitação de factores hostis que são meio para um fim que parece justificá-los: a perfeição.
Ao perceberem isso, autores como Aldous Huxley e George Orwell resolveram desconstruir os conceitos de utopia existentes. Segundo eles, a moralidade humana não conseguiria seguir uma evolução tão ligeira e, mesmo nos casos em que as sociedades perfeitas são alcançadas, a personalidade corrompida do homem colocaria tudo a perder.
As chamadas distopias podem ser entendidas filologicamente como "utopias negativas". Este neologismo foi cunhado por Gregg Webber e John Stuart Mill num discurso ao Parlamento Britânico em 1868: "É, provavelmente, demasiado elogioso chamar-lhes utópicos; deveriam em vez disso ser chamados dis-tópicos, ou caco-tópicos. O que é comumente chamado utopia é demasiado bom para ser praticável; mas o que eles parecem defender é demasiado mau para ser praticável."
Cena de "Laranja mecânica", de Stanley Kubrick |
Outros autores também levantaram questões que hoje se mostram mais presentes do que nunca. Aldous Huxley, autor de Admirável Mundo Novo - escrito num período entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial -, descreveu um futuro hipotético onde estaríamos aprisionados pela obrigação de bem-estar, seja através da divisão social, do uso indiscriminado de drogas reguladoras ou do controle biológico - uma espécie de eugenia. Isso numa época onde tentativas de clonagem e fertilização in vitro não passavam de experiências fracassadas.
Anthony Burguess, em Laranja Mecânica (obra imortalizada no cinema por Stanley Kubrick, em 1971), via, num futuro indeterminado, que a predisposição humana à violência não acompanharia o ritmo da evolução intelectual, o que resultaria num colapso da sociedade e esdrúxulos e impositivos métodos de contenção psicológica desta característica "primitiva" baseado no Método Ludovico, uma espécie de behaviorismo radical levado ao extremo.
Ray Bradbury, autor de Fahrenheit 451 (adaptado com louvor por François Truffaut, em 1966) formula um futuro onde a principal arma de opressão utilizada pelo Estado é a censura dos livros, o que faz da televisão o único (e manipulado) instrumento de informação e diversão. É um ensaio sóbrio (ainda que fantástico) sobre a censura e os limites entre entretenimento e alienação que meios de comunicação em massa devem respeitar.
Discutir os problemas sociais atuais através de romances satíricos muito bem elaborados foi o recurso que muitos autores utilizaram para chamar a atenção para os problemas que a eterna busca pela sociedade perfeita encara. Os já considerados clássicos da literatura moderna revolucionaram a forma como pensamos, enxergamos e lidamos com o destoamento da utopia para onde a sociedade caminhava. Há quem diga, inclusive, que já estamos inseridos em distopias tais quais nos livros."
Sergio Coletto
Nenhum comentário:
Postar um comentário