Neste exato momento, fora a tripla crise de saúde, economia e política, o que está acontecendo é um seriíssimo embate entre a farda e a toga. O pessoal da farda (incluindo os que acabaram de trocá-la pelo paletó e gravata ou pelo pijama) está convencido de que, se houve “extremismos”, “exageros retóricos” e “falas impensadas” contra instituições, isso empalidece diante do que o pessoal da toga no STF impôs para cercear os poderes do presidente da República – uma usurpação acompanhada igualmente por falas irresponsáveis e desonestidade intelectual.
No mínimo desde o julgamento do mensalão o pessoal da toga andava dividido, mas se uniu ao entender que o pessoal da farda dá suporte a um presidente que pensa dispor de poderes imperiais, desrespeita limites entre Poderes estabelecidos na Constituição, age por interesses políticos próprios e pessoais para solapar instituições e só não jogou o País ainda numa irrecuperável crise institucional pois eles, os da toga, baseados em princípios e doutrinas, foram capazes de esclarecer e impor limites (como no caso de medidas de combate à covid-19).
Não há saída à vista para esse embate pois ele é a expressão de duas fortes forças políticas que ocuparam duas instituições. Não é só entre o pessoal da farda no palácio que reina a sincera convicção de que o pessoal da toga expressa um “establishment” (sim, é essa palavra meio fora de moda que se usa para falar do STF) que se articulou para defender privilégios que vão de ganhos da magistratura a benefícios fiscais e proteções a setores empresariais, passando pelo funcionalismo público. A luta do “establishment”, portanto, é para impedir a reforma do Estado representada por Bolsonaro e sua eleição.
No outro lado, figuras do STF sempre atentas aos ventos das redes sociais e opiniões publicadas encaram Bolsonaro e o que ele significa como um perigo real para as instituições democráticas e o estado de direito. Consideram suas ações políticas e o endosso explícito que concede a movimentos contra o Congresso e o Judiciário como ações políticas que não são apenas arroubos retóricos. São, nesse entendimento, parte do aberto intuito de destruir as normas mínimas do confronto político, da civilidade e do próprio jogo democrático.
Os bombeiros de sempre, de um lado e de outro, conseguem debelar incêndios pontuais. Mas não têm a capacidade de resolver a situação de fundo que resulta agora num precário equilíbrio. A saber: a “via jurídica” para destronar Bolsonaro, uma possibilidade com a qual uma parte do STF flerta, passa por uma PGR que não vê condições técnicas de denunciar o presidente. A rota para derrubar o presidente via TSE depende desse órgão alterar jurisprudência – fora o tempo que isso leva.
Bolsonaro e sua turma de aloprados não dominam as ruas, não dispõem de apoio nas Forças Armadas para levar adiante uma “revolução” que só existe na cabeça de malucos nos quais o entorno do presidente presta muita atenção. Talvez entendam que vociferar contra o STF nada vai produzir de prático, a não ser dar tempo para alternativas políticas “de centro” (que podem incluir facilmente o Centrão) se articularem e solidificarem.
Em outras palavras, ninguém tem forças para vencer ninguém. As crises econômicas e de saúde demonstraram fartamente a “necessidade da convergência” à qual o general Mourão se refere, mas também como diminui o espaço político para essa convergência. O maior efeito da demonstração da crise está, porém, em outro aspecto.
Para a tal “necessária convergência” precisa-se de liderança. Quem?
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