domingo, 9 de agosto de 2020

Brasil adoece enquanto Bolsonaro releva a pandemia e se mantém em eterno palanque eleitoral

O presidente Jair Bolsonaro não faltou ao seu estilo seco para falar da iminência das 100.000 vidas perdidas para a pandemia do coronavírus. Em live, já na quinta-feira, mencionou o número assombroso já se descolando dele. “A gente lamenta todas as mortes. Já está chegando ao número de 100.000, talvez hoje (em referência à quinta, quando somavam oficialmente 98.493 vidas perdidas). Vamos tocar a vida e buscar uma maneira de se safar deste problema”, disse ele, ao lado do general Eduardo Pazuello, ministro interino da Saúde. Ao invés de usar a pandemia de covid-19 para mostrar alguma capacidade de liderar e unificar um país Bolsonaro (sem partido), continua a se expressar com palavras duras, como “se safar”.

Depois de um ano e sete meses de Governo, o presidente só faz manter-se fiel ao seu personagem em eterno ritmo de campanha eleitoral, rebatendo qualquer possibilidade de crítica. Desde que o primeiro caso foi registrado no Brasil, em fevereiro, o mandatário oscilou discursos autoritários e negacionistas com raríssimos momentos de serenidade. Seu principal objetivo tem sido o de retirar de si sua responsabilidade na crise, transferi-la para governadores, prefeitos e para outras instituições, como o Supremo Tribunal Federal. Além disso, faz um movimento de tensionamento constante com os poderes, promove medicamento sem eficácia comprovada no combate à doença – a cloroquina –, debocha do distanciamento social e surfar na onda de aprovação entre os mais pobres trazida pelo auxílio emergencial de 600 reais.


Enquanto os números de infectados no Brasil dispararam — mais de 2,9 milhões de pessoas têm ou já tiveram a doença, segundo dados oficiais – o presidente testemunhou seu entorno adoecer. O Palácio do Planalto passou a ser chamado de “covidário”. Dos 3.400 servidores que frequentam a sede presidencial, 178 tiveram covid-19 até 31 de julho passado. Dos 23 ministros de Bolsonaro, 8 anunciaram terem sido infectados. Os mais recentes foram Jorge Oliveira (Secretaria-Geral) e Walter Braga Netto (Casa Civil). Ambos têm gabinete no Planalto. Todos na sequência de Bolsonaro, que confirmou ter contraído o vírus no dia 7 de julho. A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, também teve a doença.

Se fosse um país, o Planalto teria a taxa de 5.235 contaminados para cada 100.000 habitantes. A taxa do Brasil é de 1.374. “Durante esse processo, o presidente não teve o interesse ou a capacidade de assumir que errou nesse negacionismo constante e teve de construir uma narrativa política de que foi impedido de atuar pelas instituições”, diz o cientista político e advogado Valdir Pucci, diretor da Faculdade Republicana. Contra Bolsonaro, há acusações no Tribunal Penal Internacional de Haia, queixas no STF e ao menos 40 pedidos de impeachment na Câmara dos Deputados por causa de sua postura omissa na pandemia de covid-19.

Nem mesmo ter sido infectado pelo novo coronavírus fez com que o presidente arrefecesse a temperatura de seus discursos radicais. Em apenas uma ocasião desde que anunciou ter se curado da doença, em 25 de julho, Bolsonaro disse a apoiadores no Palácio da Alvorada que deveria manter distância deles e seguir usando máscara facial. Dias depois, entretanto, viajou para o Nordeste e para o Sul do país para inaugurar obras e promover aglomerações. Na ida a Bagé (RS), disparou mais uma de suas frases cortantes. Perguntado se havia negligenciado a doença, afirmou: “Eu nunca negligenciei. Eu sabia que um dia ia pegar. Infelizmente, acho que quase todos vocês vão pegar um dia. Tem medo do quê? Enfrenta”. Suas frases de efeito para minimizar a doença ganharam as manchetes no mundo. “Não sou coveiro”, em abril quando o país ia em mais de 2.000 mil mortes. “E daí?”, quando o país superou 5.000 mortos no final daquele mesmo mês, e o famoso “é só uma gripezinha”, um mês antes.

Bolsonaro ficou preso à narrativa do enfrentamento e assim deve ficar até o fim de sua gestão, não apenas por causa da pandemia. “A estratégia política do Bolsonaro comporta a ideia de ter uma campanha eleitoral permanente. É parte do DNA do bolsonarismo. Principalmente para ter seus apoiadores fervorosos cada vez mais próximos”, diz o cientista político Leandro Consentino, professor do Insper.

Não só o presidente, mas sua rede de apoio, e até uma fração da classe médica se lançaram a questionar a ciência, confundindo o Brasil num momento de fragilidade diante da doença, com a economia parada, e um futuro incerto. “Bolsonaro testa os limites das instituições e da sociedade civil”, diz o historiador Odilon Caldeira, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e membro do Observatório da Extrema Direita. “Quando ele passa a radicalizar, ele tenta buscar um processo de naturalização de seu discurso”, completa.

Nessa cruzada, instalou interinamente o general Eduardo Pazuello no cargo de ministro da Saúde, depois da queda de braço com dois ministros médicos, que deixaram o posto por discordar dos protocolos de recomendação para o uso da hidroxicloroquina, como queria Bolsonaro, para o tratamento de pacientes com covid-19. O mandato de Pazuello, que deveria ser tampão, já chega aos três meses. Tempo suficiente para acomodar as demandas do presidente, como o próprio endosso à cloroquina, mesmo sem comprovação científica. Em suas aparições públicas, Bolsonaro não perde a chance de erguer uma caixinha do remédio para seus seguidores e até para as emas que vivem no Palácio da Alvorada. Incensa também o uso do vermífugo Ivermectina, outro medicamento sem comprovação de eficácia para os efeitos da covid-19.




Enquanto investe no marketing do confronto a quem o questiona, Bolsonaro abaixou a guarda em um campo sensível para os bolsonaristas radicais. Em sua relação com o Congresso Nacional durante a pandemia, o presidente fez acenos ao Centrão, um grupo fisiológico de partidos de centro direita. Começou a povoar os segundo e terceiro escalões do Governo com indicados por esse grupo de olho em dois movimentos. O primeiro é de impedir que prospere um dos mais de 40 pedidos de impeachment contra ele que tramitam na Câmara. O segundo, tentar preparar o terreno para a eleição da Mesa Diretora da Casa que definirá como será a segunda metade do mandato de Bolsonaro.

Apesar de estar distribuindo cargos, Bolsonaro não tem se deparado com dias fáceis no Legislativo. A sua base de apoio ainda não está organizada. Uma prova disso é que estão em tramitação no Legislativo, 43 vetos presidenciais, sendo que 19 deles se referem a leis ou trechos de leis voltadas para ajudar no combate da crise sanitária provocada pela covid-19. Entre esses vetos, que é quando um governante não concorda com o que foi aprovado pelos congressistas, estão um que trata da concessão de auxílio emergencial em dobro para mães que criam sozinhas seus filhos e outro que impede novas inscrições nos cadastros de empresas de análises de crédito enquanto a calamidade pública estiver vigente.

Entre quem acompanha o dia a dia do Congresso Nacional, a sensação é que o presidente está mais preocupado em garantir caixa para alçar sua popularidade acima dos 30% e reforçar seu discurso para a longínqua campanha eleitoral de 2022 do que em amenizar os efeitos humanos da pandemia. Uma das estratégias seria estourar os gastos públicos, confrontando o seu ministro da Economia, Paulo Guedes, para garantir o programa que sucederá o Bolsa Família, o Renda Brasil.

Após pagar o auxílio emergencial aprovado pelo Congresso de 600 reais até setembro, o presidente pretende estendê-lo a dezembro, ainda que em um valor inferior – de 200 reais. Uma alternativa para garantir mais recursos é aprovar a reforma tributária que enviou no fim de julho, e que sugere a recriação de um novo imposto. “A reforma tributária do Governo é uma simplificação malfeita com a volta da CPMF. A justificativa é a de irrigar os cofres para garantir o Renda Brasil e anabolizar a sua reeleição”, diz o professor Consentino, do Insper.

Nenhum comentário:

Postar um comentário