Em seguida à exigência de deposição do atual presidente, vários artistas declaram adesão ao sofisma petista/autista do golpe em consonância com a campanha de difamação do atual governo, das instituições políticas e jurídicas que o avalizaram e da própria imagem externa do país. Além disso, a trupe de saltimbancos grita em coro que a ocupação é legítima, pois “o MinC é nosso!”. E aqui chegamos a outro equívoco: é nosso de quem, cara-pálida? Da classe agitadora dos artistas do entretenimento ou do povo brasileiro, como manda a Constituição referente às instituições públicas? Para além dessa explícita demonstração de incultura, estrelas do naipe de Marieta Severo, Patrícia Pillar, Andrea Beltrão, Mariana Lima e outros declaram que “não se trata apenas da perda dos direitos dos trabalhadores da cultura, mas também a perda dos direitos de cidadania do povo brasileiro”, por parte de “um governo ilegítimo que assumiu o poder de forma arbitrária, causando um desmonte de setores essenciais do estado de direito como cultura, direitos humanos, mulheres, igualdade racial, povos indígenas, desenvolvimento agrário, previdência, ciência e tecnologia e até a Controladoria-Geral da União”. Como se vê, um pot-pourri de repartições do Estado que pode tudo, ao som de um “samba do crioulo doido”, menos produzir cultura propriamente dita, e para além de performing arts.
Referem-se apenas à cultura stricto sensu, quando outras expressões da cultura de um povo, sobretudo no momento que o país vive, certamente não lhes passa pela cachola, como a cultura cívica e política de um povo iletrado, se não analfabeto funcional, enganado por políticos populistas com serviços públicos de quinta categoria em áreas prioritárias como educação, saúde, justiça e segurança. Demagogos que vivem a espalhar falsas concepções de cidadania enquanto direitos sociais ilimitados, sem a inerente contrapartida dos deveres cívicos e políticos de fiscalizar a correta aplicação dos recursos públicos. E isso, por quê? Se não pela ideologia esquerdista de intervencionismo estatal em setores do livre empreendimento privado por natureza, como infraestrutura, energia, transportes, mineração, intermediação financeira, seguros etc., exatamente por onde se desviaram rios de recursos públicos escassos nas áreas prioritárias do investimento social do Estado.
E disso, os mistificadores da campanha “contra o golpe” não falam, pois o que querem mesmo é esconder da opinião pública suas duvidosas boquinhas, às custas da renúncia fiscal da Lei Rouanet. Ou pior: convencerem-se a si mesmos da pertinência de seus privilégios pela função de arautos virtuosos da fonte inesgotável de benesses do Estado. Aliás, chega a ser risível a “escolha” como trilha do vídeo Ocupa MinC, do cântico “O fortuna, imperatrix mundi”, da cantataCarmina Burana, de Carl Orff, quando sobrepõem o refrão “fora Temer”, uma imperativa palavra de ordem, exatamente sobre os versos “O fortuna, velut luna statu variabilis”, que afirma a Roda da Fortuna, ou a Sorte como imperatriz do mundo, mutável como a lua que ora cresce, ora diminui, alheia a nossa vontade. Antes de continuar, no entanto, dou a palavra a um de nossos Agentes de Cidadania, Leonel Kaz, que há quase dois anos, tendo ocupado o mesmo posto de secretário de Educação do Rio de Janeiro, a exemplo do atual e jovem ministro da Cultura nomeado, declarou a total impropriedade da separação das duas áreas. E não pelo pseudoargumento de corte da despesa pública, mas por impropriedade mesma da decisão. Veja o videodepoimento de Leonel Kaz.
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Para concluir, retorno mais uma vez ao mestre Mario Guerreiro, quando explica as origens de nossa tão tosca elite cultural: “Se a colonização das Treze Colônias da América foi um empreendimento privado, a colonização da América Latina foi um empreendimento estatal”. O que ilumina a corrupção do valor da cultura lato sensu, como urgente cultura cívica e política de que carecem nossas elites, para além do divertimento artístico financiado pelo Estado. O que explica também a pobreza do debate público, na expressão mais geral e verdadeira da cultura política do patrimonialismo, do estatismo e do corporativismo, que se traduz na nossa chaga maior de não saber ou tampouco gostar de empreender por conta própria, mas sempre esperar algum subsídio do Estado para não arriscar. Cultura generalizada, seja de grupos empresariais, seja de quaisquer outros empreendimentos de cunho social, partidário, religioso, cultural, artístico ou mesmo informativo. Pois nem a imaginação fértil de George Orwell em 1984 cogitou de um Big Brother tão onipotente e onipresente que pretendesse comprar com tão farta distribuição de bolsas e boquinhas várias a adesão ou omissão políticas de tão vasto espectro da sociedade.
Jorge Maranhão
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