Na última sexta, uma ação suspendeu a audiência na qual seria apresentado o novo projeto de ocupação do terreno em disputa
Nas últimas eleições, Pernambuco ganhou destaque depois
da morte do ex-governador Eduardo Campos, candidato à presidência substituído
por Marina Silva, ambos supostamente representantes de uma “nova
política”. O Ocupe Estelita, movimento em defesa da ocupação pública de
uma área nas margens do Rio Capibaribe, em Recife, arranhou a imagem de uma
“nova política” associada ao grupo até então liderado por Campos. Como é de
praxe no Brasil de hoje, também no caso Estelita, o poder público pavimenta o
caminho para o privilégio de poucos em vez de defender o direito coletivo à
cidade.
Passadas as eleições, a disputa entre o movimento Ocupe
Estelita e o Consórcio Novo Recife parece se encaminhar para um desfecho.
O caso começou quando uma grande área às margens do Rio Capibaribe foi
arrematada em leilão pelo Consórcio a um preço muito camarada e destinada à
construção de 12 torres de cerca de 40 andares de costas para o bairro de São
José, um dos mais antigos do Recife. O projeto é um caso típico da arquitetura
do medo que vemos se implantar em tantas cidades do Brasil, impermeável em
relação ao entorno e privatista em sua concepção mais profunda.
Desde o início, a aprovação do projeto contou com inúmeras
ilegalidades sustentadas pela Prefeitura, quer através de ação direta, quer
pela simples omissão. Na sexta-feira dia 07 de novembro, uma ação do movimento
Ocupe Estelita conseguiu suspender uma audiência prevista para acontecer no
mesmo dia, na qual seria apresentado o dito novo projeto para ocupação do
terreno em disputa, supostamente redesenhado em função das reivindicações. A
convocação da audiência pela Prefeitura vinha dar um ar de participação
democrática a um processo claramente corrompido pela cumplicidade entre poder
público e o Consórcio Novo Recife, mas desrespeitava os prazos legais e as
exigências mínimas de transparência, como a divulgação antecipada do projeto a
ser discutido.
O caso do Ocupe Estelita diz muito do Brasil de hoje. Em
primeiro lugar, como outros movimentos que lutam pela cidade, ele também está
na vanguarda de uma mobilização social de esquerda, uma vez que canalizou uma
parte daquela insatisfação difusa que alimentou as jornadas de junho para uma
luta muito concreta pela cidade. No Cais José Estelita, o desejo de mudança
encontrou um objeto palpável. Em torno dele, atores sociais antes dispersos se
juntaram. Gente que lutava por moradia popular, pelos direitos LGBT, pelos
trabalhadores do comércio informal, pelos direitos dos animais, mas sobretudo
estudantes com coragem suficiente para permanecerem acampados no local e
profissionais com muito conhecimento especializado em suas áreas de atuação:
urbanistas, jornalistas, designers, advogados...
Indignados com a forma de condução do processo pelo poder
público, plena de ilegalidades, tais atores criaram o grupo Direitos Urbanos
que começou a promover jornadas de atividades culturais no Cais. Até que a
demolição de um dos antigos armazéns de açúcar na calada da noite foi o estopim
para a ocupação do espaço, sobretudo por estudantes que resistiram mais de um
mês antes de serem expulsos violentamente pela polícia.
Enquanto durou a ocupação, o movimento alcançou uma
visibilidade impressionante, muito pela atuação daqueles profissionais e pela
presença de equipes da imprensa estrangeira na cidade durante a Copa. Matérias
foram veiculadas neste mesmo El País, e em jornais e TVs da França, da
Alemanha, da Inglaterra e da Itália. Até a Al Jazeera abriu espaço para o
Estelita, o que virou piada diante do silêncio da mídia local, com raríssimas
exceções.
A barreira foi quebrada de dentro
para fora, a partir da mídia internacional, passando por jornais de São Paulo,
até chegar à mídia local que, impossibilitada de fazer de conta que nada estava
acontecendo, adotou um viés claramente desfavorável ao movimento. Exemplar,
neste sentido, foi a matéria do jornal local da TV Globo sobre a expulsão dos
ocupantes, em que uns poucos cavadores e uma enxada usados para o plantio da
horta comunitária foram apresentados como “armas” em poder dos manifestantes.
Vale lembrar que o Consórcio Novo
Recife comprou amplo espaço publicitário em horário nobre nesta TV e nos principais
veículos locais, de modo que a determinação econômica do conteúdo midiático se
pôs a nu, o que pode ser instrutivo na discussão atual sobre a necessidade de
regular a mídia brasileira de modo a evitar este tipo de censura que já existe
entre nós.
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