domingo, 2 de abril de 2017

Estagiários da vida

Numa segunda-feira, ao final de uma palestra para jovens estagiários com menos de 18 anos, recebi várias perguntas, escritas em papéis tirados de cadernos, algumas sem assinatura, outras informando o contato.

O tema mais recorrente, e angustiante, o “emprego”, ou “o que tenho que fazer para ter uma autonomia financeira, chave para a não dependência ou para a realização de necessidades e sonhos”. Em seguida, o assunto mais citado foi o que se sintetiza “o que podemos fazer para diminuir a violência”, isoladamente e como sociedade. Mas havia outros questionamentos, sobre drogas, sexo, religião, política e a “chave do sucesso”.

Lendo as mensagens que me chegavam da plateia, em certo momento senti uma forte emoção, quase um nó na garganta, não só pela saudade de meus 16 anos, como pelas utopias e sonhos celestiais de adolescente, vencidos em seguida por uma realidade que atropelou quase tudo.

A minha, em comparação com a atual, foi uma época feliz, com poucos carros em circulação, quase sem drogas, sem computadores, sem fome, sem poluição, sem assaltos e homicídios, que só apareciam nos filmes americanos. Os vizinhos de antigamente eram gente conhecida há séculos, o gari que varria a rua era sempre o mesmo, o médico que atendia a família toda em casa era uma figura carismática, respeitada como um portador de soluções. Havia muito mais verde, árvores, frutas menores e mais saborosas, águas transparentes, passarinhos de todas as cores e cigarras no verão. Ao final dos estudos, junto com a formatura, todos encontravam emprego já no primeiro dia, ou até antes dele havia quem prenotasse o diplomado ou o leigo em tudo.
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Jean Jullien

Olhando aquela plateia sentada a minha frente, enxerguei “condenados” a uma vida de incertezas e amarguras, com escasso tempo para o romantismo e atarefados pela exaustiva competitividade, convivendo e se defendendo da banalizada violência, levados a antecipar a vida sexual. Quer dizer, a interromper precocemente a fase infantil.

No mundo de meus 16 anos, a expectativa de emprego sobrava no horizonte, as ruas eram tranquilas e serviam para brincadeiras, sem traficantes e tiroteios. Todos se conheciam e se respeitavam. O coração disparava apenas por joelho bem torneado.

Eram tempos sem engarrafamentos, sem pedágios, sem sequestros, tempos de músicas em radiolas.

Hoje vive-se uma incerteza globalizada, qualquer problema de outro continente afeta o mundo inteiro, o estresse é a regra, a depressão, a consequência da rotina “inatural”, da batata frita, dos transgênicos, das competições malucas. As cidades já problemáticas se apresentam deturpadas por pichações, a juventude perfurando-se de piercings masoquistas, de tatuagens que escondem a beleza de uma pele jovem. O sofrimento domina e se banaliza, manifesta-se com música metálica que espanca os ouvidos e faz tremer as vísceras. O jovem, contemporâneo de Bin Laden e dos homens-bomba, não se dá descanso, encara a vida como uma flagelação. Castiga-se sozinho, além das agressões externas. Pendor para infelicitar a própria vida.

O que dizer a eles? Pensei em “pedir perdão” por não me ter oposto mais a essa degeneração, mesmo sabendo que, sozinho, não teria alterado o rumo da correnteza. E, ainda se o fizesse, não creio que compreenderiam a profundidade do pedido.

Melhor, pensei, é explicar-lhes que o que se toca com as mãos, ou se vê com os olhos, não é tudo. Que em cada ser humano tem bondade, mesmo que adormecida. Que tem razão quem disse “Amai-vos uns aos outros”, pois aí está o caminho mais breve da evolução.

E, ainda, que o corpo não é tudo, mas deve ser respeitado. Que não precisa ter pressa com o sexo, que ele é bom e maravilhoso quando praticado com maturidade, com o parceiro que se ama. Que é ainda possível, apesar de o mundo dos adultos conspirar contra, elevar os sentimentos e encontrar forças invisíveis e o anjo que nos protege.

Este inferno não é capaz de se impor ao amor.

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