segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Nosso futuro será um chip?

O futuro que me perdoe, mas o passado é fundamental. A cada início de ano nos perguntamos sobre o amanhã sem olhar para trás e ver os erros e acertos de ontem. Às vezes nem percebemos que a pergunta é uma indagação e a tomamos como predição ou vaticínio, como verdade caindo do céu ou do inconsciente.

É o momento do sonho desperto – não o do incontrolável sonho noturno do sono – em que as fantasias se juntam a ilações, observações. Ou aos desejos. Surgem daí as análises com cara e jeito de previsão ou dogma profético.

Em 1918, após o morticínio da Grande Guerra iniciada em 1914, o alemão Oswald Spengler escreveu A Decadência do Ocidente, interpretando o desespero posterior ao primeiro conflito mundial. O armistício (ou rendição da Alemanha) não trouxera a paz. A “gripe espanhola”, com milhões de mortos espalhados pelo Ocidente, nascera dos cadáveres dos caídos nos campos de batalha e valia como condenação do modo de exercer o poder político.

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A crítica de Spengler fez o Ocidente renascer, mesmo com o horror de nova guerra mundial e da bomba nuclear. Além de consubstanciar os direitos humanos, surgiram os avanços da ciência e a implantação da tecnologia, a começar na cozinha, com a revolução do liquidificador e da geladeira. O vaticínio foi semente, não veneno.

Em 1989, o norte-americano Francis Fukuyama escreveu o artigo O Fim da História (o livro foi publicado em 1992), com a tese de que o capitalismo individualista ou corporativo era a forma única de organização social. O fim da União Soviética abriu caminho à especulação. Mas as crises do capitalismo nos Estados Unidos (agravadas na era Bush filho) e na Europa, em especial na Grécia, desmentiram o “novo profeta” e Fukuyama desapareceu.

Em 2018, que grandes teses teremos? Ou haverá consciência de que as grandes teorias não mudaram o mundo por si sós? Ou alguém duvida que a invenção da roda aproveitou mais à vida e ao mundo do que as preleções de Sócrates ou o elitismo de Platão?

As ideias políticas e econômicas, com todos os seus profetas, não mudaram o mundo, só o alteraram. Às vezes, ao alterá-lo, seus intérpretes semearam o horror e o caos. Aí estão Hitler, Stalin, Pol Pot ou os generais ditadores latino-americanos, Brasil incluído. Ou, antes, Napoleão e Gengis Kahn. Ou, agora, a loucura dos talebans ou do Estado Islâmico.

As teorias político-econômicas não mudaram o mundo por uma razão: eram teorias, só isso. Ao contrário das ciências exatas (ou do que hoje chamamos tecnologia), nada tinham de palpável. Nelas não havia materialidade. Eram um blá-blá-blá sério, com base na interpretação da História ou na dedução do desenvolvimento econômico, não na experimentação. Às vezes funcionaram como profética dedução, tal qual no diagnóstico de Marx, mas pela metade, sem ver a outra face. E apenas isso, sem mais nada concreto.

A tecnologia fez um caminho diferente. Não deduziu nem fez previsões. Usou a experimentação. Não usou só a inteligência de prever, usou método mais simples e menos brilhante: descartar o erro, repetir a experiência sem se anteceder à própria experiência, prosseguindo até acertar.

E com um detalhe fundamental: agiu ou trabalhou sempre em laboratório, em ambiente restrito. O casal Curie provou os efeitos da radiação em si próprio. O que aconteceria se saíssem pela França e pelo mundo a verificar o que a radiação provocava?

Quando o ser humano desenvolveu a eletricidade, o mundo e a vida mudaram. Em fins do século 19, a física descobriu os condutores e semicondutores elétricos, e o mundo começou a ser outro e a viver de novas formas. Com eles criamos o horror da bomba atômica, mas também os isótopos da medicina nuclear ou eletrônica, além da comunicação instantânea atual, inseparáveis da vida moderna.

As doutrinas políticas despertaram as consciências, reconheceram e legalizaram direitos, terminaram com diferentes formas de escravidão ou subserviência, algo que as religiões já haviam tentado. Mas quem mudou a vida – ou criou a vida moderna – foi a ciência exata, a partir da física, da química e da matemática.

Chegamos, porém, ao limiar perigoso e perverso criado pela própria tecnologia. A chamada era digital pode nos transformar em bonecos, em robôs de aparência inteligente, mas – de fato – simples bonecos burros e estúpidos, sem iniciativa, sem volição nem inteligência ou capacidade de criar.

A continuar assim, só saberemos apertar botões para viver. Já não vamos raciocinar nem pensar, menos ainda indagar ou saber discernir ou analisar. Os botões ligados a um chip dirão como vamos pensar, discernir, analisar ou saborear.

A seguir assim, talvez até amor se faça apertando botões. Do amor de ternura ao amor de orgasmo, tudo num minúsculo chip...

O desenvolvimento tecnológico criou uma situação de perigo. A noção de humanidade desaparece, levando de roldão a solidariedade, a fraternidade e a visão do transcendente que a vida tem em si. Só a cobiça e a penúria dos políticos donos do poder não veem que caminhamos como servos para o novo despotismo da exacerbação tecnológica, que nos transformará em tolos idiotas e ignorantes.

E, pior ainda, guiados pelo espírito de lucro e cobiça de um grupo ínfimo em número, que – organizado em grandes empresas – fez da ciência um caminho para destruir a iniciativa individual. Assim, vão nos confinar num mundo em que o “chip” irá pensar e agir por todos nós.

Não haverá espaço para a espiritualidade que o jesuíta e teólogo Teilhard de Chardin catalogou como ponto essencial da condição humana, acima das religiões. Esse profeta (que uniu ciência e fé) e todo o pensamento humano darão lugar a um chip...

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