Mudamos leis para não mudarmos o que Tocqueville chamava de “hábitos do coração”. Essas “segundas naturezas” que usamos sem pensar porque elas estão tão dentro de nós que não as enxergamos.
Essa é a prova cabal da nossa aversão à igualdade. Que o povo negro e pobre seja alvo da igualdade perante a lei não é problema. A coisa, porém, se transforma em problema quando os ladrões formam uma súcia de parlamentares, doleiros e empresários. Nesses casos, causa repugnância a ideia de que a lei “deve valer para todos”, inclusive para o “governo”, a família e os amigos. Contra tal acinte, legisla-se em causa própria.
____________
Como exercer a igualdade na terra do “Você sabe com quem está falando?”, onde o poder é centralizado, hierarquizado, avesso à inclusão e fraternalmente dividido com os amigos?
____________
Nossa resistência em dividir leva a um paroxismo centralizador, que esconde do cidadão a riqueza produzida por todos, mas controlada pelos poucos que estão no poder. É fácil reduzir salários de funcionários, mas não se cogita sair dos palácios, renunciando a um aristocrático estilo de vida.
___________
A República funciona como monarquia. O que poderia disciplinar a ambiciosa elite capitalista termina por colocar num mesmo ralo governo e empresários. Daí a roubalheira estruturante e estrutural. Felizmente, existe uma “imprensa comprada” para denunciá-la, algo que os nazistas de esquerda e de direita querem cercear. Essa é a imprensa que divulga como se esbanja dinheiro público mantendo — mesmo debaixo de uma crise nunca antes vista neste país — um estilo de vida palaciano e moleque.
____________
_____________
____________
Eis o sinal, dizia Durkheim, de doença.
____________
Se roubar a sociedade é um valor, assassinamos a igualdade, engendrando uma classe de ladrões ilustres e graduados: presidentes, governadores, senadores, deputados, juízes, delegados, deputados, grandes empresários e o que mais não sejam. Papéis sociais couraçados pela honra e competência desmancham-se. Eles não servem mais à coletividade, mas aos seus ocupantes, amigos e partidos. É o fim...
____________
O privilégio — esse pai da corrupção — está no uso de cargos públicos para obter vantagens particulares. A indiferença ao conflito de interesse exigido por certos papéis explica a nossa desmoralização. Quando o papel de ministro corre o risco de ser canibalizado pelo de proprietário de um apartamento de luxo, não se pode mais fingir. O bem-estar instável de um país comandado por um governo tampão e emergencial demanda — conforme ocorreu — que se fique do lado do Brasil, e não do amigo.
____________
______________
____________
Roberto DaMatta
Nenhum comentário:
Postar um comentário