Quando jovem , meu professor de Semiótica, Naief Sàfady afirmou:
- Nascemos apenas com uma ideia na cabeça e não fazemos outra coisa senão desenvolvê-la ao longo de toda a nossa existência. Disse para mim mesmo:
- Será, então, que não é possível que haja uma mudança de vida? Que reacionário! Perto dos 68 anos de idade, entendi que meu professor tinha razão: de fato, durante toda a minha vida persegui tão-somente uma única ideia. O único problema é que não sei que ideia é essa!
Creio que estou chegando lá. De tanto me dedicar à semiologia, estou cada vez mais convencido da possibilidade de que o mundo não existe, de que ele nada mais é do que um produto da linguagem.
Houve momentos, no decorrer do século passado, que a filosofia se recusou a falar do mental sob o pretexto de que não podia vê-lo.
Hoje em dia, com as ciências cognitivas, as questões do conhecimento - o que quer dizer conhecer, perceber, aprender? - tornaram-se centrais. Os progressos da ciência permitem tocar naquilo que antigamente era invisível, o que obriga a Semiótica questionar: como é que a linguagem estrutura a percepção que temos das coisas?
Em famoso pensamento de Peirce, temos o entendimento de que o pensamento não está em nós, nós é que estamos em pensamento. Não reagimos mecanicamente às situações, de forma sempre igual. Estamos sempre em movimento, criando novos signos, aprendendo.
O código hegemônico não é apenas verbal, tampouco apenas imagem. É sim o cruzamento, a junção de diversas linguagens, presente na rede de computadores, nos vídeos, na publicidade, na linguagem do shopping center.
O autodidata é aquele que absorve uma enorme quantidade de informações, muito mais certamente do que um professor universitário, mas não sabe filtrá-las. A memória é um mecanismo que permite não somente conservar, mas também filtrar. Caso contrário, seríamos com Funes, el Memorioso, o personagem de Jorge Luis Borges que se lembrava de todas as folhas que havia visto durante 30 anos e ficou louco.
No ano passado fui a Blumenau (SC). Passei muito tempo dentro de táxis, mas só me lembro de um deles: o que tentou me roubar. Minha memória, felizmente, fez uma seleção, ou ficaria com a cabeça cheia de motoristas blumenauenses.
As mudanças impulsionadas pelas novas tecnologias digitais colocaram na tela da TV e na internet a informação massificada, onde está tudo disponível, de fácil acesso, condensado, daí a dúvida: será o fim do livro? As pessoas vão deixar de ler? Apesar de tudo isso, a escrita triunfou, e voltamos à civilização da escrita.
O computador teria obrigado McLuhan a reescrever A galáxia de Gutenberg. Vivemos incontestavelmente o retorno da escrita. Nas nossas telas lemos os textos que imprimimos. Nunca se publicaram tantos livros, construíram catedrais aos livros, como essas imensas livrarias. Portanto, quando eu ouço os escritores dizerem que o livro está prestes a desaparecer não consigo me conformar com tamanha má-fé.
No imaginário popular, o que importa é como a mídia descreve, interpreta, fotografa e divulga o mundo. A mídia pauta o mundo e forma ou deforma mentalidades. Se não saiu na mídia não aconteceu.
No mundo midiático, digital, instantâneo, a informação é cada vez mais estilizada, pasteurizada, e os fatos recortados da realidade sem nexo, sem contexto, sem passado, sem história, sem memória, numa destruição clara da temporalidade, como se o mundo fosse um eterno videoclipe. Dessa forma, mais confunde do que esclarece e mais deforma do que forma.
Com o uso da internet, o volume de informação dificulta a compreensão num mundo caleidoscópico, que se apresenta em forma de mosaico sem nexo, que vive transfigurando e refigurando o espetáculo da vida como se o confundisse com um reality show. Se deixarmos de ser "zumbis" culturais e aprendermos a ler o mundo, enquanto linguagem, aprenderemos a pesquisar, aprenderemos a aprender o essencial no mundo moderno.
Sempre construímos a imagem do amanhã pensando no estudante da periferia. Hoje, o modelo é o internauta obcecado que se pluga e não lê mais? Isso não se aplica à maior parte das pessoas.
As mudanças impulsionadas pelas novas tecnologias digitais colocaram na tela da TV e na Internet a informação massificada, onde está tudo disponível, de fácil acesso, condensado, daí a dúvida: será o fim do livro ? As pessoas vão deixar de ler ? A resposta é não. A leitura, com o tempo e a prática vira êxtase, é semelhante a um transe. Ler é participar de uma das mais extraordinárias invenções e revoluções tecnológicas de todos os tempos, que são os sistemas de escrita. Nós não teríamos a Internet hoje, sem os códigos da escrita.
Há menos de duas décadas, as crianças e jovens tinham um acesso limitado às informações e os pais podiam, de algum modo, selecionar aquelas que possuíam um conteúdo condizente com cada idade e capacidade de compreensão, direcionando os interesses para boas fontes como livros clássicos da literatura infantil, bons filmes, etc.
As tecnologias atuais, em particular a Internet, mudaram toda essa perspectiva. O acesso a Internet dissemina-se aceleradamente e hoje a maioria das crianças e jovens, mesmo aquelas de classe menos favorecidas, conseguem ter contato com ela. Se não possui um computador em casa, a escola disponibiliza ou um amigo tem. E quando a telinha do computador se abre, o portal do mundo está aberto. Entretanto, permeando tais informações, há uma grande quantidade de "lixo informacional" invadindo nossos lares todos os dias. O cerne da questão está no fato de que o volume de informação não garante a qualidade. Nelson Valente
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