terça-feira, 25 de agosto de 2015

Coisas essenciais

É sempre bom lembrar que não tenho causa alguma, nem estou preocupado em agradar você, nem ninguém. Aliás, querer agradar na profissão de intelectual público é signo de mau-caratismo. Isso não significa que não tenha com você, caro leitor, uma relação de parceria sincera e atenta. Apenas considero essa "fúria do bem" um tédio, além de tornar grande parte do pensamento público um "marasmo de amor".

Vejo-a, refiro-me a essa "fúria do bem", como uma forma de puritanismo. Os puritanos clássicos eram obcecados pela saúde da alma, mas pelo menos tinham perto de seus corações a agonia do pecado. Os novos puritanos têm apenas a certeza da própria pureza. São imperdoáveis por isso.


Percebe-se o puritanismo na medida em que hoje se busca de modo obsessivo a vida limpa e saudável. Imagino que em breve o sexo, como conhecemos, acabará, porque descobrirão, por exemplo, que mulheres que gostam de fazer sexo oral terão tantos por cento a mais de câncer bucal. Bons tempos aqueles em que se misturava sexo com trabalho, dando à vida profissional cotidiana uma certa leveza.

Mas, dito isso, vamos ao que interessa hoje. Recentemente, o mundo inteligentinho ficou estarrecido porque a maior parte dos egípcios está feliz com a ditadura do presidente Sissi. Esse comportamento da maioria dos egípcios parece uma heresia para muitos de nós, quando devia, na verdade, soar como a coisa mais normal do mundo.

Onde estão os "especialistas" que em 2011 afirmavam existir uma Primavera Árabe em curso? Foram acometidos pelo mesmo tipo de cegueira que acomete os religiosos fanáticos em geral: negam a realidade para afirmar um mundo que só existe nas suas cabeças e nos livros escritos em meio a queijos e vinhos.

E quando tudo que falaram não aconteceu, com a cara mais limpa do mundo, fingem que não disseram besteiras. Os profissionais da utopia de hoje são como gente que vende crack para os desgraçados.

As pessoas querem casa, comida e lazer. E dane-se o resto. A soberania popular, na sua intimidade invisível aos olhos de quem é cego, é exatamente essa. Se as pessoas conseguem andar na rua sem serem mortas (como estava acontecendo no Egito), elas fazem qualquer negócio. Minha tese é que aqueles que escreveram sobre "a utopia da Primavera Árabe" têm poucos compromissos com a vida real.

Na maioria dos casos, têm poucos ou nenhum filho, não têm casamentos longos e comprometidos com as famílias dos cônjuges (por isso jovens, normalmente, são aqueles que mais engrossam as fileiras das ideias descoladas da realidade); enfim, trata-se de uma moçada que raramente teme ficar sem salário ou sem grana para o supermercado ou para a escola das crianças.

O Oriente Médio é um inferno. Volátil, instável e com baixíssima institucionalidade. Quando ocorreu uma eleição após a dita Primavera Árabe no Egito, subiu ao poder a Irmandade Muçulmana. Proponho que todo mundo que acha que fundamentalistas islâmicos são aliados da plataforma do PSOL (amor, liberdade e revolta contra o capitalismo), esse partido de semi-celebridades libertárias, vão passar um tempo com eles.


Para grande parte da população que vive no Oriente Médio, se não matarem seu filho ou violentarem sua filha na rua, quando ela volta da escola, é um ganho civilizador. Se para isso eles precisam de alguém que cerceie as liberdades, que nós ocidentais tanto amamos (menos a moçada que admira Cuba e o bolivarianismo), eles topam sorrindo.

Porque a liberdade de pensamento é uma coisa tão cara quanto uma bolsa Chanel, e, na maioria da vezes, ninguém esta nem aí para ela, mesmo.
Também gosto da democracia (sem entrar nos problemas que ela tem), mas pensar que a democracia seja um regime universal é a mesma coisa que pensar que o cristianismo pode servir para gregos e troianos. O filósofo Montesquieu, que viveu entre os séculos 17 e 18, dizia que grandes regiões povoadas por muita gente, sem uma ordem institucional mínima, precisavam de regimes autocráticos.

Uma pergunta que me ocorre é: as mulheres de lá gostarão mais de fazer sexo oral do que as nossas?

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