sexta-feira, 11 de agosto de 2017

A despesa pública e seus 'bois de piranha'

Se observado com cuidado o noticiário da grande imprensa (redes de televisão, rádios, jornais e suas projeções no ambiente eletrônico) nos últimos meses, seriam três os mais “pesados” itens nas despesas públicas: a) gastos com a Previdência Social (com um déficit monstruoso e crescente); b) despesas com agentes públicos, notadamente servidores públicos (remunerações, auxílios, benefícios e toda sorte de “privilégios”) e c) a corrupção generalizada (que desvia os recursos que faltam para a prestação adequada de serviços públicos nas áreas de educação, saúde, segurança pública, cultura, lazer, etc).

Esses “elementos” funcionam, ao menos parcialmente, como verdadeiros “bois de piranha”. Embora inegavelmente significativos e carregando graves distorções (os dois primeiros itens, até porque o terceiro é uma distorção em si), como adiante tratado, são utilizados com enorme eficiência midiática para esconder grupos de despesas ou redutores de receitas bem mais relevantes.

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O debate em torno das contas da Previdência Social (ou da Seguridade Social, como define a Constituição) não é fácil. Análises realizadas pelo governo, por organizações da sociedade civil e por especialistas apontam para conclusões completamente díspares. Apuram-se déficits e superávits, dependendo dos dados e métodos de contabilização utilizados. Para além do debate em torno dos números da Previdência Social, existem dois elementos que dificultam enormemente a propaganda governamental no sentido da falência das contas previdenciárias. A Desvinculação de Receitas da União (DRU), efetivada por mais de vinte anos, subtraiu vultosos recursos da Seguridade Social para outros fins. A pergunta, então, é inevitável: qual o sentido de desviar recursos de uma área deficitária para outras áreas de atuação do Poder Público? Os fundos previdenciários, previstos pela Emenda Constitucional n. 20, de 1998, não foram constituídos pelos sucessivos governos. Esses importantes instrumentos de gestão financeira das contas previdenciárias permitiriam, com razoável precisão e facilidade, identificar a situação atual do sistema. Destaque-se que o relatório resumido da execução orçamentária da União em 2016 indica: a) o pagamento de 481,1 bilhões de reais em benefícios previdenciários; b) um déficit de 138 bilhões de reais no âmbito do regime geral de Previdência Social e c) um déficit de 77 bilhões de reais no âmbito do regime próprio de Previdência Social dos servidores públicos federais.

Os gastos com as remunerações dos servidores públicos são consideráveis e integram um dos principais itens da despesa pública (não o mais relevante). Em 2016, segundo o relatório resumido da execução orçamentária da União, foram pagos 255,2 bilhões de reais em relação a pessoal e encargos sociais. Uma importante ponderação precisa ser realizada. “A cada 100 trabalhadores brasileiros, 12 são servidores públicos. A média é a mesma verificada nos demais países da América Latina, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Já nos países mais desenvolvidos, o percentual costuma ser quase o dobro — nesses locais, a média é de 21 funcionários a cada 100 empregados. Em nações como Dinamarca e Noruega, mais de um terço da população economicamente ativa está empregada no serviço público” (https://goo.gl/0oIHkC). Existem graves problemas a serem equacionados nessa área com impactos na redução de despesas e atuação republicana da máquina estatal. Entre outros, destacam-se os seguintes: a) necessidade de redução drástica (quase completa) de cargos comissionados; b) supressão de benefícios indevidos (como o auxílio-moradia no Judiciário e no Ministério Público, utilização de carros oficiais e aviões da FAB, nos três Poderes, etc) e c) fixação dos padrões remuneratórios das principais carreiras do serviço público (nos três Poderes e nas Funções Essenciais à Justiça) de forma conjunta, com definição das relações existentes entre elas e com sensibilidade social para os patamares fixados.

Reclamações crescentes são ouvidas acerca do custo de manutenção do Legislativo e do Judiciário. O relatório resumido da execução orçamentária da União em 2016 consigna gastos de: a) 7 bilhões de reais com a função Legislativa e b) 31,2 bilhões de reais com a função Judiciária. Esses valores são pouquíssimos expressivos ante uma despesa global da ordem de 1,8 trilhão de reais. As razões para racionalização de despesas do âmbito do Legislativo e do Judiciário passam por: a) supressão de privilégios e distorções; b) redução de estruturas excessivas e desnecessárias e c) adoção de padrões republicanos de funcionamento da máquina estatal. A vertente da redução de despesas públicas é evidentemente secundária nessas searas.

Segundo estudo realizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), o custo médio estimado da corrupção no Brasil está localizado entre 1,38% a 2,3% do PIB (https://goo.gl/hFYxoj). Tomando o PIB de 2016 como parâmetro, teríamos algo na casa de 86 a 143 bilhões de reais em termos de corrupção. Essa projeção, importa destacar, envolve o numerário efetivamente empregado em práticas ilegais, os recursos que as empresas deixam de investir em atividades produtivas e a fuga de capitais. Entre outras medidas estruturais para uma enorme redução das práticas de corrupção estão: a) a supressão quase completa das cadeias de comando e obediência definidas pelas nomeações políticas para cargos comissionados e b) o fortalecimento significativo de medidas preventivas, como aquelas efetivadas pelos controles internos e pela advocacia pública.

As bilionárias despesas com o serviço da dívida pública são praticamente “esquecidas” no debate realizado pela grande imprensa, pelo governo e pelo parlamento. Nesse campo, registra-se o pagamento de cerca de 511 bilhões de reais em juros (nominais) pela União em 2016 (8,1% do PIB). Em 2015, o valor desembolsado foi de aproximadamente 446 bilhões de reais (7,4% do PIB). Já em 2014, o montante gasto foi de cerca de 313 bilhões de reais (5,4% do PIB). Os dados foram obtidos no site do Banco Central do Brasil (https://goo.gl/gBhrpQ). Decididamente, a administração da dívida pública e suas adjacências financeiras reclamam presença destacada na discussão em torno da despesa pública. Entre outras medidas, voltadas para a redução do estoque e do serviço, deveriam ser consideradas e submetidas a irrestrita transparência e controle social: a) uma séria auditoria (exigência do art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias); b) a gestão de sua evolução, inclusive com a supressão de mecanismos indevidos que viabilizam o seu contínuo crescimento; c) a fixação da taxa de juros SELIC (somente a manutenção de uma brutal transferência de renda da maioria da população para segmentos sociais extremamente minoritários justifica o patamar atual); d) a gestão responsável das reservas monetárias internacionais e e) a revisão da política de realização de operações compromissadas e todas as formas de “ajuste de liquidez”.

A sonegação tributária, segundo vários estudos e análises, como aquele que sustenta o sonegômetro do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (SINPROFAZ) (https://goo.gl/wMWAI), atinge o patamar de 500 bilhões de reais por ano. Uma atuação planejada, organizada e enérgica nessa área certamente produziria um fluxo considerável de recursos novos para o caixa do Poder Público.

As renúncias de receitas tributárias em conjunto (realizadas e projetadas), entre os anos de 2010 e 2018, alcançarão o patamar de 501,4 bilhões de reais. Somente no ano de 2015, as desonerações observadas representaram aproximadamente 106,7 bilhões de reais. Esses dados constam de análises efetivadas pela Receita Federal do Brasil.

Os subsídios de várias naturezas concedidos pelo governo constituem um capítulo especial em matéria de gastos públicos. A maior parte desses benefícios não aparecem expressamente no orçamento discutido e aprovado no Congresso Nacional. “Segundo o Ministério da Fazenda, de 2003 a 2016 os subsídios embutidos em operações de crédito e financeiras somaram quase R$ 1 trilhão – 420 bilhões do total foram para o setor produtivo” (Folha de São Paulo, dia 6 de agosto de 2017). Essa revelação rendeu a seguinte e inusitada manifestação da jornalista Míriam Leitão: “Governo transfere mais recursos para os ricos do que para os pobres./As evidências se acumulam. Novos levantamentos esclarecem o grande problema do Brasil. Aqui, a transferência de dinheiro público beneficia especialmente os mais ricos, as grandes empresas. Mesmo o governo que falava em justiça social manteve a política e a ampliou quando esteve no poder. A falta de transparência é outro problema./(...) Esse sempre foi um problema no Brasil: o governo transfere mais recursos aos ricos do que aos pobres, e em geral de forma pouco transparente. Isso é preciso entender. Até o governo que chegou falando em reduzir a desigualdade social fez o mesmo de sempre, e até em maior escala./É assim que o Brasil se torna um dos mais desiguais do mundo. Dinheiro público, dinheiro do trabalhador é transferido paras empresas. Às vezes na base de propina” (https://goo.gl/KNgTrF).

Esses quatro últimos elementos, entre outros também relevantes, praticamente somem do debate travado no seio da sociedade. Os “bois de piranha” representados pelas despesas previdenciárias, remuneratórias e com esquemas de corrupção consomem praticamente todo o tempo utilizado pela grande mídia e pelo governo. Essas outras questões, igualmente relevantes ou mais importantes, literalmente desaparecem do radar do cidadão e seus beneficiários agradecem efusivamente.

O equacionamento responsável da despesa pública no Brasil reclama uma atenção cuidadosa para todos os principais itens relacionados com os gastos públicos, sem esquecer ou desconsiderar nenhum deles. Com certeza, existe muito trabalho e margem de redução de dispêndios, de forma republicana, sensata e razoável, em todas as principais searas (sem exceções) de efetivação do gasto público (direto ou na forma de redutores das receitas).

Aldemario Araujo Castro

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