Alguns fatos alimentaram o catastrofismo. Num dia, 50 direitistas invadem a Câmara dos Deputados falando em ditadura e fechamento do Congresso. Em outro, o ministro da Cultura se demite por não aceitar pressões indevidas do ministro Geddel Vieira Lima, uma gota a mais no oceano de corrupção e tráfico de influência que inundou o País. A denúncia abalou o governo Temer, que preferiu desgastar-se mais um pouco para não pôr em risco sua base parlamentar. O ministro Geddel demitiu-se ontem, mas o estrago já estava feito.
A discussão sobre a PEC dos gastos e a reforma da Previdência incrementa o pessimismo, pois seus efeitos serão certamente dolorosos e impulsionam retóricas finalistas, nas quais o povo pobre é visto como dramaticamente afetado. Para complicar, a economia continua a patinar, o desemprego persiste, o consumo está estagnado, Trump venceu nos EUA e vão começar as delações da Odebrecht. A discussão sobre o caixa 2 mostra a disposição de muitos deputados (de variados partidos, PT incluído) de aliviar crimes como lavagem de dinheiro e falsidade ideológica.
Tudo vai sendo acomodado às pressas na ideia de que golpistas maldosos e políticos hipócritas estão a patrocinar a desmontagem das conquistas sociais e do progresso do País. O cenário não corresponde por inteiro à realidade profunda, mas enfeitiça muitos brasileiros, que se deixam arrastar pelo ativismo frenético ou pelo desinteresse conformista.
No meio dessa mixórdia de vozes dissonantes, a gigantesca maioria dos brasileiros deseja seguir com a vida sem muitos sobressaltos, mas a essa maioria não é oferecida nenhuma análise fundada em discernimento, serenidade e visão de futuro.
O governo Temer não é pior do que o governo que tínhamos até ontem, ou anteontem. Em certos aspectos, chega até a ser melhor. Está se esforçando para imprimir um pouco mais de racionalidade na gestão pública e nas relações entre Executivo e Legislativo. Carece, porém, de eixo. Sua composição o fragiliza, sustentada que está pela preocupação de evitar divisões na base parlamentar. As circunstâncias não o favorecem: o cenário global é instável, o nacional é uma incógnita. As instituições, ainda que valorizadas, não conseguem domar o País, cuja complexidade é um desafio. Vista de Brasília, a sociedade se mostra distante, quase um borrão no mapa, quando deveria ser a razão mesma do Estado.
O governo caminha sobre o fio de uma lâmina afiada, agarrado exclusivamente a uma meta de ajuste e reorganização das contas. Seu discurso é raso, não comove nem mobiliza. Não parece ter outras políticas, o que o deixa trôpego e vacilante diante de um contínuo turbilhão de problemas, conflitos e ameaças.
Se as coisas estão assim tão desgraçadamente ruins, o razoável é que se reduzissem as polarizações brutas e as simplificações maniqueístas feitas a partir de uma visão grosseira de esquerda e direita, e se buscasse adquirir uma articulação democrática superior que propusesse algo de positivo, com os pés no chão. Poucos, porém, cogitam disso.
Houve quem comemorasse a prisão de Garotinho e Sérgio Cabral, e houve quem se aproveitasse dela para denunciar a “mídia oligopolizada”, bater na PF e na Lava Jato, defender os direitos humanos. Ficou difícil entender a situação. Aplaudir prisões expressa um desejo de vingança. Explorá-las para atacar a Justiça é um erro político.
Demonizar a “mídia oligopolizada” virou clichê em parcela da esquerda. É uma fantasia para processar o que nos desagrada ou atenuar o medo ancestral que nos assusta. Impede que se compreendam a complexidade e o caráter contraditório dos fenômenos midiáticos atuais. Quanto mais se insiste nisso, mais a análise fica ideológica, sem objetividade.
Alguns dos que batem na Justiça, no MP, na PF e na Lava Jato dizem que as operações anticorrupção existem para perseguir o PT. Outros querem simplesmente salvar a pele. Ambos os lados falam em “criminalização” da política e não se importam em defender o indefensável. As denúncias contra o arbítrio, o abuso de autoridade e o desrespeito à integridade da pessoa – que sempre devem ser consideradas com atenção – terminam assim por engrossar um caldo de cultura que esvazia e deslegitima o combate à corrupção.
Pode-se não gostar de Moro, das conduções coercitivas e dos procedimentos de delação premiada, achar que extrapolam o razoável, mas o esforço deveria estar concentrado em avaliar seus efeitos e resultados. Por vias que incomodam alguns, a Lava Jato e outras operações judiciais estão revolvendo as entranhas do sistema político brasileiro, enfiando a faca na relação entre empreiteiras, governos e partidos, desnudando práticas e manobras ilícitas de enriquecimento e financiamento político, mostrando o prejuízo que causam ao País.
Se o sistema político e partidário não sobreviver a essas operações, é porque está tão bichado que não merece seguir respirando. Não deveríamos ter tanto medo do futuro que desconhecemos.
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