Os detalhes dos dados recolhidos no último relatório de acompanhamento da chamada Agenda 2030, por ser essa a data para se alcançar as metas que nela estão inseridas, foram expostos por Francesca Perucci, da divisão de estatística da ONU. A mortalidade materna caiu 37% entre 2000 e 2015. “No entanto, 303.000 mulheres ainda morrem durante a gravidez ou o parto a cada ano”, afirmou Perucci. Um avanço similar ocorreu com a morte de crianças menores de cinco anos, que declinou 40% no mesmo período. “Mas entre cinco e nove faleceram em 2015”, ressalvou a estatística. Mas, em meio às congratulações, há um pouco mais a dizer: “Para conseguir o Objetivo marcado nesses quesitos, o ritmo de melhora tem que ser mais do dobro”.
Quanto às doenças transmissíveis, também há boas e más notícias. Por um lado, a incidência do HIV declinou 46%. “Mesmo na África subsaariana, embora sua prevalência continue sendo a mais alta do mundo”, observou a estatística. “A nota negativa é que a taxa aumenta na América do Norte e Europa”, acrescentou. Também caiu o restante de doenças infecciosas, segundo dados do estudo. “Vemos isso na redução de 41% na incidência da malária”, especificou. E de tuberculose, de 17% até 2015. Nesse ano, 1,6 bilhão de pessoas requereu tratamento para alguma das 18 doenças esquecidas, 21% menos que em 2010.
Esta é a radiografia que deixaram os 15 anos de esforços conjuntos para melhorar a saúde global no âmbito dos Objetivos do Milênio. Agora cabe redobrar esforços. Literalmente, porque o ritmo das melhorias não serve para curar o paciente por completo. O que se pode fazer então? O que os especialistas prescrevem? Estas são as receitas de representantes da sociedade civil citados no Painel Político de Alto Nível, realizado na semana passada para examinar uma seleção de objetivos. É a vez da saúde.Morrer de modo prematuro de doenças não transmissíveis – cardiovasculares, respiratórias, diabetes ou câncer – é hoje mais improvável que no início do século. Concretamente, “o risco de falecer entre os 30 e os 70 por esses males baixou de 23% para 19% entre 2000 e 2015”, afirmou Perucci.
“A cobertura de saúde universal é necessária por uma questão de igualdade”, disse Michael Myers, diretor geral da Fundação Rockefeller. “E a igualdade não ocorre por si só, tem que haver a intenção de alcançá-la para chegar aos mais desfavorecidos da sociedade, aos abandonados, incluindo as mulheres e as meninas. Isto não ocorre automaticamente por termos um belo programa. Temos que buscar isso projetando programas, executando políticas para chegar a essas populações, do contrário, continuarão abandonadas”, ressaltou.
“Devemos olhar para o futuro, não só abordar o presente”, sentenciou Myers. “É claro que há muitas questões urgentes das quais não devemos nos esquecer; mas... citando os amigos canadenses: ‘Devemos patinar para onde vai o disco, não de onde vem’.”. Com essas palavras o filantropo se referia à necessidade de combater problemas como as mudanças climáticas e a contaminação ambiental. “Eles afetam a saúde das pessoas”. E o farão ainda mais, disse ele, se não os solucionarmos já. Nessa luta contra o aquecimento global, Marie Hauerslev, vice-presidente para assuntos exteriores da Federação de Associaçnoes de Estudantes de Medicina, vê uma “oportunidade” para melhorar o bem-estar geral: “Por exemplo, quando se promove o transporte público para reduzir as emissões e, com isso, a contaminação ambiental”.Olhar para o futuro
Outra prova da necessidade de olhar a longo prazo, segundo Myers, é que “as doenças não transmissíveis diminuíram, mas as projeções destacam que podem subir conforme os países melhoram seu nível de vida. Por isso deveríamos abordar esta questão agora, antes que os números comecem a subir”.
Hauerslev se referiu também à importância da promoção da saúde sexual e reprodutiva. “É preciso equipar os jovens com o conhecimento, habilidades, atitudes e valores de que necessitam para desfrutar de sua sexualidade e prevenir as doenças sexualmente transmissíveis. Em última análise, que possam tomar decisões informadas sobre sua sexualidade. Para conseguir os ODS, precisamos de serviços de planejamento familiar, o que inclui o acesso a contraceptivos e ao aborto seguro”, afirmou. A jovem foi muito concreta em suas propostas. Mais uma: que cada vez que uma política seja submetida a aprovação, os legisladores levem em conta quais as implicações da decisão sobre a saúde da população
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“Temos que trabalhar de maneira multi-setorial. Sabemos que os ODS são uma oportunidade para fazer isso porque é impossível obtê-los isoladamente, sem envolver os demais setores”, sintetizou Myers uma ideia que foi repetida sessão após sessão. “Vemos isso na educação. Um dos investimentos mais importantes em saúde é a educação das meninas, não especificamente na área de saúde mas em formação geral”, afirmou. Trata-se de um assunto que ele conhece bem, porque a Fundação Rockefeller trabalhou estreitamente com economistas para avaliar os benefícios de investir na saúde: “Sabemos que ter acesso a água limpa e saneamento é importante. Este é o número 6. Também importante a energia limpa, especialmente para prevenir doenças respiratórias e cardiovasculares, assim como vários tipos de câncer. Este é o número 7. Como dissemos, o meio ambiente tem muito a ver com o bem-estar, e tem a ver com os Objetivos 13, 24 e 15”.
“Sem o apoio da sociedade civil não teríamos obtido avanços, por exemplo, na cobertura de saúde universal, apesar de todas as nossas resoluções”, acrescentou Nata Menabde, da OMS, à exposição de Myers.
Vontade e coerência política. Essas são as demandas da jovem representante dos estudantes de medicina. Por exemplo, disse ela, para “aumentar os impostos sobre o cigarro e outros produtos nocivos” e investir o que for arrecadado em saúde. Ou, ao contrário, baixar os preços de alimentos saudáveis, como frutas e verduras, mediantes subsídios, continuou. “Temos que reconhecer que estas são questões políticas. Está relacionado com a maneira como se organizam os recursos econômicos nacionais e internacionais”, destacou Myers. Mas não basta dizer que a saúde é o que importa. “No setor, sabemos que temos que ser mais sofisticados na defesa da saúde. Por isso trabalhamos com economistas, para evidenciar que pelo menos 24% do crescimento dos países de renda baixa e média se deva aos investimentos realizados em saúde”, acrescentou.
Foi Rachel Cohen, diretora executiva regional da Iniciativa Medicamentos para Doenças Negligenciadas, quem dedicou seus cinco minutos de intervenção a este assunto. “Nos últimos anos há um consenso entre os tomadores de decisão políticos de que o sistema de incentivos para a pesquisa biomédica não funciona”, disse. A especialista criticou o fato de milhões de pessoas não poderem adquirir os medicamentos de que precisam por causa de “seus preços impossíveis”.
“Sem abordar este assunto não será possível reduzir a mortalidade materna e infantil, ou diminuir a incidência de doenças contagiosas e não contagiosas, assim como outros ODS”, alertou. “Precisamos que o processo de pesquisa coloque as pessoas no centro e não só o retorno econômico. Precisamos que exista uma colaboração científica, não uma competição. Precisamos que utilizem todas as forças e capacidades de investigação em todo o mundo e não só em um punhado de países”, enumerou. E além disso, que esse processo seja liderado por instituições públicas que garantam que o retorno é para a população.
Cohen não deu trégua à indústria farmacêutica em seu discurso: “Os países têm que apoiar políticas coerentes que desvinculem os custos de pesquisa dos preços dos medicamentos. Disseram-nos que a única maneira de incentivar o investimento em pesquisa é aumentar os preços dos remédios. Não aceitemos isso”.
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