O Rio já não é mais a cidade dos Jogos nem um produtivo Estado petroleiro. Acabou a festa, o preço do petróleo despencou, a crise nacional e as investigações anticorrupção paralisaram investimentos e, sem novas receitas, a euforia terminou. A taxa de desocupação, segundo a Pnad, passou de 3,5% em 2014 a 6,7% (frente ao 11,8% nacional), e parte deste aumento se deve à entrada de novas pessoas no mercado de trabalho à procura de um emprego.
O Rio também não é mais exemplo de sucesso, representado com aquele Cristo Redentor decolando como um foguete na capa da revista The Economist para ilustrar a bonança do Brasil em 2013. Pelo contrário. Hoje o próprio governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) diz que o Rio está "ficando ingovernável" e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, coloca o Estado como o exemplo do que não deve ser feito, e justifica assim, de passagem, um severo ajuste fiscal nacional para recuperar as finanças do país. “O que está acontecendo no Rio de Janeiro é didático. Mostra que alguém tem de pagar [a conta do descontrole de gastos e da previdência social]”, disse recentemente. A situação no Rio é tão crítica que o salário de outubro dos servidores vai ser parcelado em até sete vezes e ninguém garante que o décimo terceiro salário chegue às contas dos servidores no final do ano. Duvida-se até do pagamento da folha dos próximos meses.
O Governo do Rio, comandado pelo PMDB desde 2006, começou a agir e, além de se mobilizar em Brasília na procura de ajuda federal, elaborou um pacote de medidas de ajuste que por quatro dias seguidos tem levado os servidores públicos às ruas. Eles não são mais sinônimo de estabilidade, hoje há quem os veta na hora de alugar um apartamento. Serão eles, seguindo o plano anticrise, os primeiros a pagar a conta com um aumento do desconto de 11% para 14% para a contribuição previdenciária. Essa medida era ainda mais severa (com a criação de uma alíquota extraordinária de 16%), mas levou os servidores às ruas, à Justiça a paralisá-la e à própria Assembleia Legislativa a devolvê-la ao Governo “por comprometer demais a renda dos servidores”. O Governo pretendia arrecadar com ela boa parte do dinheiro que se busca com todo o pacote de ajustes (4,7 bilhões de 13,3). A Previdência pública no Estado, mesmo com os ajustes, só deixará de ser deficitária daqui a, no mínimo, 20 anos. Sem essa medida, dizem seus idealizadores, ficam comprometidas o resto de iniciativas.
O “pacote da maldade”, como foi batizado pelos manifestantes, contempla o corte de secretarias e de 30% dos salários do governador e seus secretários, mas também um aumento dos impostos para a energia, cerveja, cigarros, gasolina e telefone, a extinção de programas sociais, como os comedores populares ou o aluguel social, ou o aumento do preço do bilhete único. “As medidas são draconianas, mas necessárias. Mas o Estado precisa procurar receitas. A crise não é devido a um aumento do gasto, é devido a uma queda absurda das receitas de impostos, de royalties do petróleo e de transferências federais em um Estado com um planejamento falho, dependente do petróleo e com uma estrutura produtiva ainda oca”, lamenta o economista e professor da UFRJ, Mauro Osório.
Para Osório o Rio nunca viveu uma euforia real. “A partir de 2008, o Rio se aproxima à média nacional de crescimento, ganhou a Olimpíada, a indústria automobilística cresceu no Estado, beneficiou-se do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), teve investimentos federais e uma boa sintonia entre seus governantes, mas não houve um planejamento mais consolidado, e apostou-se principalmente na política de isenção fiscal para atrair investimentos”, explica. As isenções fiscais, cujos valores não são divulgados com total transparência, beneficiam de grandes empresas que instalaram-se no Estado graças a elas a joalherias.
O cenário que vem pela frente não é nada esperançoso. “É assustador”, opina Osorio. “Imagina que em janeiro o Estado não tem como pagar o décimo terceiro e a Justiça congela as contas do Estado até os salários dos servidores serem pagos. Não vai ter dinheiro para pagar a comida dos presos, nem para comprar remédio nos hospitais. É muito grave”.
Na sala onde os trabalhadores aguardam para formalizar suas demissões, Nilson Duarte, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada (Sitraicp), o setor que mais empregos perdeu pela crise, recusa também qualquer otimismo. “As principais obras estão quase todas paradas, e obra de infraestrutura é fundamental para fazer girar a economia. No ano passado, 9.000 pessoas passaram por aqui para homologar suas demissões, esse ano já são 14.000. O sindicato tem 14 anos e nunca passamos por esta situação. Não temos perspectiva”, lamenta Duarte. “No Brasil, todo volta a funcionar depois do Carnaval, mas eu não sei se vai ser dessa vez.”
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