Quem tem o “poder” contraria até mesmo aquilo que não lhe traz vantagem alguma, como um certificado de vacina. Se existe uma peste, como no livro de Albert Camus, o presidente da nossa província, em vez de procurar uma vacina contra uma doença mortal, prefere se dar ao trabalho de falsificar e trocar favores, promessas e segredos com um pequeno grupo de pessoas. Com isso, ergue o edifício de contravenções e má-fé com aqueles que o ajudaram. É mais complicado e barroco do que ir a um posto de saúde e lá, em três minutos, vacinar-se e obter um trivial certificado.
É exatamente isso que está no noticiário jornalístico do nosso país, em virtude da personalidade do ex-presidente Bolsonaro, que, mais uma vez, demonstra preferir explodir, não seguir regra alguma, a obedecer ao sinal de não fumar num sanatório de doentes pulmonares graves. Do mesmo modo que, quem sabe, consultaria um médico e, em seguida, sabotaria o remédio e não seguiria a receita que lhe fosse recomendada.
É evidente que todos os brasileiros conhecem a relatividade das leis. Elas valem para o cidadão comum, que, curiosa e gloriosamente, elege ao patamar de comando de uma regra alguém que é o primeiro a não segui-la. Com isso, conseguimos fabricar uma antiaristocracia e, à brasileira, uma anti-República. O resultado histórico só pode ser a repetição dos mesmos erros.
Não é por acaso que não avançamos no sentido do bem comum, na direção do jogo político marcado por regras e ideais que todos aceitam, até mesmo o presidente e os juízes do Supremo. Se olharmos os sistemas de dominação históricos, veremos que as oligarquias e as tiranias eram governadas pelo poder pessoal dos oligarcas e dos tiranos.
Quando foram inventadas a aristocracia e o feudalismo, o governo dos nobres, relativizou-se a figura do monarca. Nas democracias, porém, o avanço foi ainda maior. Criou-se a partir da experiência americana um sistema triangular de poderes: Executivo, Legislativo, Judiciário. Mais do que isso, uma consciência aguda e profunda de que os Três Poderes eram também governados por leis, que imitavam os velhos mandamentos escritos em pedras pela Divindade. A Constituição estaria acima de todos os Poderes e seria dirigida com pleno consentimento da nação. Neste regime democrático, jamais poderia existir a supremacia do filhotismo, do grupismo partidário, das ideologias utópicas e populistas e, sobretudo, o desejo de burlar a lei simplesmente pela vontade de burlá-la.
Para finalizar: o princípio fundamental da democracia é a constituição permanente de uma sociedade igualitária perante as leis, e não de uma sociedade que sucumbe à vontade fugidia e perversa daqueles que ocupam cargos fundamentais nos seus Poderes.
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