As imagens aéreas da Rocinha, no Rio de Janeiro, para registrar o tiroteio entre gangues rivais são o mais contundente registro da farsa cantada em prosa e verso quanto a conquistas sociais obtidas pela classe trabalhadora desde 2003. As precárias habitações em relevo acidentado sem vestígios de urbanismo e os respectivos serviços promovidos pelo Estado moderno demonstram, cabalmente, como mais de 70 mil pessoas não têm reconhecimento pleno de sua cidadania, vivem em condições lamentáveis e tornam-se alvo de adversidades por causas naturais, conflitos internos, ações demagógicas e discriminação social. O perigo ronda permanentemente, seja por desabamento ou picada de escorpião. A falta de privacidade pode ensejar assédio sexual por vizinhos ou desconhecidos. O desconforto é gritante para preparar a marmita na madrugada, dormir após a jornada de trabalho noturno ou permanecer acamado em caso de doença. Subir ou descer o morro é desafio constante, sendo mais penoso para crianças, gestantes, enfermos e idosos.
Há, certamente, outras dificuldades para a maioria absoluta de uma gente honesta que não consegue viver no espaço formal da mais bonita cidade brasileira porque está desempregada ou não tem rendimentos que cubram o custo de subsistência, apesar do trabalho duro na metrópole. Falta-lhes tudo no que se refere à modernidade e cidadania: urbanização, arborização, privacidade, iluminação pública, edificação sólida, título de propriedade, endereçamento, coleta de lixo, saneamento, boas escolas, ampla assistência médica, áreas de lazer, acessibilidade, policiamento e, sobretudo, segurança. Podem perder a vida a qualquer momento como vítimas de balas perdidas ou execução sumária por quadrilhas que desconfiarem de sua submissão às normas para manter a fortaleza no emaranhado de ruelas e barracos. Os últimos dias foram mais arriscados, porque o fogo cruzado entre bandidos e policiais poderia atingir qualquer pessoa. O mais doloroso para todas as famílias honestas é, certamente, o risco de que seus filhos sejam recrutados para o crime, comprometendo, definitivamente, seu futuro e extinguindo sua esperança de dias melhores.
O foco atual é a Rocinha, porque se trata do aglomerado em que houve explosão interna de violência. Ficou patente o péssimo tratamento conferido pelo Estado àquele local, bem como à parcela significativa da população brasileira, enquanto agentes públicos apropriam-se do patrimônio em benefício próprio e de seus apaniguados. Eles fazem, sobretudo, muita demagogia em milhares de favelas espalhadas pelo país, para construir redutos eleitorais. Não pretendem realizar planejamento estratégico para promover o desenvolvimento socioeconômico em perspectiva nacional. Isso demanda instrução com alta qualidade em que fique expressa a capacitação crítica de todos os cidadãos para cobrar políticas que os libertem de partidos e lideranças nocivas a projetos relacionados à democracia plena e modernidade.
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