segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

20% da população espanhola se afasta da classe media devido ao emprego precário

Mar Cuba decidiu há três anos ser mãe. Ela e o pequeno Leo vivem em Vilagarcía de Arousa, a 30 quilômetros de Pontevedra, no noroeste da Espanha, a distância que Mar tem de cobrir todo dia para ir trabalhar. Leo, enquanto isso, espera por ela na creche. “As mães solteiras estão em uma situação de permanente risco de desemprego. Nossas probabilidades de perder o emprego são maiores: qualquer imprevisto que tenhamos em casa pode nos fazer perder o dia de trabalho e, às vezes, isso pode ser causa de demissão. Se isso ocorre, perde-se toda a economia familiar”.

Mar representa uma das caras da desigualdade. As famílias monoparentais são talvez o grupo que mais evidencia os graves problemas que ainda afligem a Espanha agora que a economia se recupera. Uma armadilha da qual é difícil sair. Mesmo se o desemprego e os níveis de pobreza caem, a desigualdade econômica aumenta. A Comissão Europeia situa a Espanha entre os países cuja população apresenta maiores diferenças de renda. Na média da União Europeia, os 20% que mais ganham recebem cinco vezes mais que os 20% que menos ganham. Na Espanha, essa proporção passa de seis vezes e meia. Esse dado deixa a Espanha entre os últimos da UE, juntamente com Bulgária, Grécia e Lituânia. Será que os cidadãos espanhóis estão tão mal como os desses países? Como isso pode ocorrer, depois de mais de três anos de recuperação econômica?

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A atividade que se perdeu em torno da construção se recuperou graças às exportações e ao turismo. A hotelaria e o comércio geram muito emprego. Mas as exportações não exigem mão de obra intensiva. Isso explica por que se restabeleceram os níveis de riqueza, mas com 1,7 milhão de empregos a menos. Segundo um estudo de Francisco Goerlich, do Instituto Valenciano de Pesquisas Econômicas, o desemprego explica até 80% do aumento da desigualdade durante a crise. Na faixa dos 20% que menos ganham estão muitos desempregados com pouca ou nenhuma renda.

Ou seja, a desigualdade não ocorre por um crescimento desmedido do que os de cima ganham, embora estes tenham sido favorecidos pela recuperação da Bolsa. Segundo os especialistas, a desigualdade ocorre porque há menos horas trabalhadas nos grupos de menor renda, seja pelo desemprego, pela alta rotatividade de contratos ou pelo trabalho temporário não desejado, algumas das consequências da reforma trabalhista produzida no país há cinco anos e que inspirou a brasileira.

Enrique García teve sete contratos temporários consecutivos. O mais longo durou três meses. Enrique é de Madri, tem 55 anos e antes da crise desfrutava de um bom posto de trabalho. “Estive 10 anos no setor comercial de uma empresa grande de software. Tinha um salário fixo de quase 2.000 euros mensais (7.740 reais) e cobriam todos os meus gastos. Fui demitido depois de ter ficado de licença por depressão e me encontrei desempregado às portas da crise.”

Enrique entrou em um negócio que não deu certo e, a partir daí, temporariedade e precariedade. “Trabalhei como vendedor de frutas, frentista, operador de telemarketing, vendedor comissionado onde gastava mais do que me pagavam… fiz de tudo, e tudo com contratos temporários e salários de 700 euros (2.710 reais) ao mês.”

Seu último trabalho foi uma suplência como zelador, com a promessa de que teria um contrato fixo − que jamais chegou. “Com esta idade, é desesperador, porque vejo que tenho capacidade para trabalhar e fazer isso bem, mas é impossível entrar no mercado de trabalho”, lamenta.

O sistema espanhol de recolocação dá uma resposta muito precária a casos como o de Enrique. As agências públicas de emprego são muito boas na gestão do seguro-desemprego. Mas, depois de uma década de crise, continuam falhando na reciclagem e recolocação. Uma vez na armadilha da precariedade, é muito difícil escapar. E o problema mais urgente ocorre entre os que saíram da construção com idades como as de Enrique.

Efraim Medina chegou em 2001 do Peru. Fez isso por meio de um convênio entre a confederação sindical espanhola CCOO e um sindicato peruano que trouxe 50 trabalhadores da construção. “No início, sobrava trabalho”, conta Efraim, de 47 anos. “Depois de poucos meses na Espanha, chamaram-me de outra empresa e me fizeram um contrato fixo. E em seguida de outra, onde melhoraram minhas condições.”

Apesar disso, Efraim tinha consciência da fragilidade de sua situação. “Explicavam-nos que havia um boom da construção e que, a qualquer momento, tudo podia acabar. Por isso sabíamos que, se viesse uma crise, seríamos os primeiros a cair.” E assim foi. A empresa onde Efraim estava começou com atrasos no pagamento dos salários. “Diziam que não tinham dinheiro, que lamentavam, mas não podiam pagar a tempo. Assim, tive de tentar ganhar a vida por outro lado.”

Efraim começou então a alternar a fila do desemprego com trabalhos temporários pagos com um salário de 700 euros ao mês. “Dizem que a economia está se recuperando, mas acho que isto não é uma recuperação. As condições são muito ruins, cada vez piores, as pessoas estão dispostas a trabalhar por qualquer coisa e as empresas se aproveitam disso”, diz.

Muitos de seus amigos e companheiros retornaram ao Peru. “Eles nos telefonam e perguntam como está a Espanha. E nós dizemos: a mesma coisa.”

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