quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Passar por tantas crises e ainda estar vivo é quase um milagre

Depois do impeachment traumático da ex-presidente Dilma, da posse do então vice-presidente Michel Temer, da aprovação na Câmara da PEC 241 (que, sob o número 55, ainda depende de aprovação no Senado) e de acontecimentos dramáticos, que só entristecem e deprimem, sinto-me, às vezes, como alguém que se salvou (ou foi salvo?) de monumental incêndio. Mesmo assim, quando tento divisar o passado recente, que já engoliu mais de meio século, e, ao mesmo tempo, compará-lo ao presente, sou levado a admitir, leitor, que já vivemos dias piores. Os integrantes de minha geração não negarão isso. Os jovens, porém, acharão que tal coisa é simplesmente impossível. E é o desencanto deles que me angustia, pois deles dependerá nossa frágil democracia.

O progresso tecnológico, que tomou conta do mundo e, em especial, de nosso país, cuja vanguarda igualmente preocupa, parece que não deixou espaço para o desenvolvimento humano. Digo isso, leitor, mas imagino que o que digo não passa de bobagem. Esse progresso, bem utilizado, pode ser a ferramenta ideal para a construção de um mundo novo e melhor. Claro que jamais gozarei disso, mas tenho certeza de que meus filhos e netos não se espantam com o que digo.

“Acho o Brasil infecto”, disse, em 1920, o poeta Carlos Drummond de Andrade, em carta a Mário de Andrade, numa época em que ninguém pensava em redes sociais: “Não tem atmosfera mental; não tem arte; tem apenas uns políticos muito vagabundos”. Se me lembro bem, sobre Minas, Drummond publicou, no “Jornal do Brasil”, a crônica “Minas não há mais”. Ele usou essa mesma frase no poema “E agora, José?”: “Com a chave na mão,/ quer abrir a porta,/ não existe porta;/ quer morrer no mar,/ mas o mar secou;/ quer ir para Minas,/ Minas não há mais./ José, e agora?”. Sobre Itabira, sua terra, deixou poema com este final: “Tive ouro, tive gado, tive fazenda./ Hoje sou funcionário público./ Itabira é apenas uma fotografia na parede./ Mas como dói”.

Transcrevo aqui (mais uma vez) frase do jornalista e escritor Otto Lara Resende: “A política é a arte de enfiar a mão na merda. Os delicados pedem desculpa e se retiram (vide Milton Campos)”. Milton, destaque na galeria dos grandes mineiros, figura ímpar, foi governador de Minas, além de senador. Foi também, em 1964, ministro da Justiça do general Humberto de Alencar Castello Branco, em sua curta passagem pela Presidência da República, quando ainda não se imaginava qual seria o destino da ditadura ferreamente imposta ao povo brasileiro.

Sandra Starling, em recente artigo em O TEMPO, diante desta balbúrdia em que nos meteram, disse que busca “consolo em textos de antigos escritores, com certeza desconhecidos pelos jovens, que hoje se digladiam nas redes sociais”. Sandra se refere ao livro “À Sombra das Chuteiras Imortais”, do dramaturgo e cronista Nelson Rodrigues, preparado pelo escritor mineiro Ruy Castro. E há quem, como eu, se distraia revendo grandes filmes do faroeste norte-americano…

Que, mambembe, volta à cena com Donald Trump fazendo o papel do bandido, mas sem a presença do mocinho. O embate com Hillary Clinton atemorizou o mundo, que já sofre essa queda de braço irracional (porque radical) de esquerda e direita, que, na realidade, só tem levado mais sofrimento aos desvalidos de tudo. E é nesse exato instante que ouço do prefeito eleito Alexandre Kalil a afirmação de que veio para governar para os pobres: “Quem não quiser governar para os pobres, eu darei nomes”. Seria Kalil o mocinho que faltava aos pobres?

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