“Homem armado não ameaça.” Age — né? Ocupa.
Discurso miliciano na atividade política não é novidade. Elegeu até presidente. Novidade é discurso miliciano por militar da ativa enquanto — lembrando-nos de que vai armado — comenta a vida política. Nada aprenderam. E ainda regridem. Pagarão a conta do mito. O comandante da Aeronáutica sendo mais um investido de condição — a de poder moderador da República — que as Forças Armadas só têm na mesa de dominó de clube militar. E a arrogância é ainda pior: poder moderador seletivo — para tutelar Legislativo e Judiciário — e em favor do projeto de Bolsonaro.
Um vexame.
Mas, calma, o tenente-brigadeiro, homem armado e decoroso, está mui preocupado com o “tão baixo nível” da disputa política — como se não fosse o chefe de seu partido aquele a “cagar” ante ofício de senadores. “Sinto que esta disputa deve ter como limite os riscos que ela pode trazer à institucionalidade do país” — como se não fosse o patrão o agente desestabilizador a avançar contra o sistema eleitoral brasileiro.
“Homem armado não ameaça.” Homem armado se impõe. Homem armado é. Não será assim? (Assim decerto falava Adriano da Nóbrega, o miliciano morto, chefe de grupo de extermínio, parça de Queiroz e cujos parentes foram pendurados no gabinete de Flávio Bolsonaro, o que lhe dera a Medalha Tiradentes.) A covardia — a de um militar se valer de atributo derivado de convenção social civil para arrostar os desarmados — autoriza-nos a qualquer complemento (e comparação).
Fato é que o tenente-brigadeiro referia-se a outra ameaça, aquela do Ministério da Defesa ao fim da nota em que Braga Netto e seus valentes pretenderam intimidar o Senado: “As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro”.
O que será “leviano” para quem — julgando-se defensor da democracia e da liberdade — aceita ser mula para que Bolsonaro afinal tenha um exército de apoio a seu ímpeto autocrático?
O Exército, sobretudo o Exército, comporta-se como partido político, incorpora-se ao governo já a ponto de suprimir a fronteira entre Planalto e Forte Apache, passa a servir personalissimamente a um golpista; mas, quando leva pancada — política — por sua deliberada militância (e investigadas traficâncias dos seus), quer ser tratado como instituição impessoal da República. Não dá.
O Exército puxa — agora, parece, a ter a aguerrida concorrência da Aeronáutica — a configuração, já inescapável, de um governo militar. Governo incompetente — provavelmente corrupto — e militar. Esse filho não é da imprensa nem da oposição. O Exército que, em meio a uma pandemia, tomou o Ministério da Saúde — que fez aparelhar de élcios, nas mãos dos quais colocou toda a gestão de negócios e contratos para aquisição de vacinas. Que culpa terão os jornalistas — esses petistas — se os coronéis e outros blancos estabeleceram a concorrência ali dentro e tiraram os barros e seus dias da zona de conforto?
Bata-se o coturno à vontade. O filho feio tem pais — e não são só os férteis do Progressistas. Segundo o comandante da Aeronáutica, os militares não têm “qualquer intenção de proteger ninguém que está à margem da lei”. Não acredito. São eles próprios a se desacreditar. Ou terão ao menos advertido Pazuello depois de participar de ato político? “Homem armado não ameaça.” Sobe em carro de som, rasga o regramento militar e recebe afagos. E, quando o bicho pega em contratos de uma pasta controlada por militares, ora: mande-se os militares que a controlavam investigar.
“Homem armado não ameaça.” Adverte, contudo: haveria um movimento na imprensa para plantar no imaginário popular que os militares, principalmente os de mais alta patente, “não são tão honestos, sequer tão capazes”. Não sei o que quererá significar alguém não “tão honesto”. Haverá o “meio honesto”? O “um pouco honesto”? Sobre a capacidade dos estrelados, registre-se que nem o mais influente jornalista seria capaz de conceber um Pazuello. Esse produto é de vossas escolas.
“Homem armado não ameaça.” Só quer participar. Governar. Qual o problema? O tenente-brigadeiro defende o partido militar: “Fernando Henrique trouxe quem ele conhecia, em quem ele confiava. Trouxe acadêmicos, professores, políticos, profissionais do meio dele. O presidente Lula trouxe, da mesma forma, sindicalistas. (...) Não vejo como diferente do que aconteceu com o governo Bolsonaro. O presidente Bolsonaro trouxe para o governo em sua maioria militares da reserva, que podem atuar como qualquer cidadão. E uma minoria da ativa, que é autorizada pela legislação vigente a ocupar cargos de natureza civil por até dois anos”.
Na próxima entrevista, coerentemente, o comandante da Aeronáutica defenderá o direito do militar à greve.
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