Entre delírios e sandices, há uma nota de sensatez neste início de ano: o centro está no centro. Melhor dizendo, a preocupação com uma saída política que, mais do que evitar, consiga ultrapassar os extremismos adquiriu razoável centralidade no debate nacional. É claro que no meio disso, como seria natural, afloram os mais exaltados, os centrofrênicos, que, embora se pretendam de centro, não conseguem dialogar (a centrofrenia é um oxímoro de centro). Mas mesmo eles reforçam a tendência a que se abram trilhas na direção de um “caminho do meio” para o impasse brasileiro.
Também existem – e não se recomenda desprezá-los – os que não podem ouvir falar em centro de jeito nenhum. São os centrofóbicos. Há centrofóbicos de esquerda e centrofóbicos de direita, embora os dois lados costumem valer-se da mesma retórica, ou de retóricas espelhadas, equivalentes. Para os centrofóbicos que se acreditam de esquerda, todo centro é de direita. Para os que se jactam de se afirmar de direita, o centro encarnaria a pusilanimidade ou mesmo a falta de caráter.
Deixemos de lado uns e outros. No fim das contas, também eles, ao reagir com tanta fúria contra a procura de uma saída de centro, não deixam de confirmar que, por baixo do alarido das polarizações mais histriônicas, o centro está no centro da pauta.
A resultante dessas correntezas que convergem, em seus fluxos caóticos, para tentativas desconjuntadas de encontrar soluções de centro é uma interrogação que a todos intriga e a quase todos paralisa: quem representa o centro? Em termos mais pragmáticos: qual o nome que poderia empolgar o eleitorado já exaurido com um programa que não padeça dos radicalismos encerrados em suas próprias doutrinas, infrutíferos e estéreis? Que personagem terá o condão de unir o País em torno de uma plataforma exequível, moderna e moderada?
O adjetivo “moderada” não aparece aqui para fazer mera figuração. Numa sociedade que já convive com focos de ameaças abertas à ordem pública, como se percebe cruamente em movimentos grevistas de policiais civis e militares, o valor da moderação desponta como um pilar essencial, ao lado da prudência e da capacidade para o diálogo. Essas virtudes tipicamente de centro podem entrar em alta em 2018, se o Brasil não quiser embarcar no anacronismo dos extremismos.
A ser verdadeira a hipótese, é bem possível que mesmo os postulantes mais esbravejantes se vejam impelidos a posar de centristas convictos. Com isso, o antigo axioma dos cientistas políticos de que a vitória eleitoral pertence aos que logram ocupar o centro voltará à cena. A mais recente inflexão dos discursos de Lula e de Bolsonaro é prova disso. Um e outro procuram ocupar o centro. O curioso é que, tanto para Lula quanto para Bolsonaro, a tarefa de parecer centrista exige deles que se qualifiquem como liberais na economia.
A tática de ambos, de reivindicar para si a mesma bandeira liberal, seria contraditória e patética se não fosse apenas lógica e necessária – e, também ela, a tática eleitoral dos dois, confirma que o centro vem ganhando centralidade. Ao procurar passar a imagem de que são defensores da economia de mercado, de que não professam cartilhas nacionalistas ou estatizantes, tanto Lula como Bolsonaro percebem que, para ganhar o centro, precisam jurar que são a favor da livre-iniciativa e da livre concorrência – uma ideia, um princípio ou um regime que faz parte do receituário de centro.
Por um caminho ou por outro, o que já vai ficando suficientemente claro é que, sem uma alternativa ao centro, o processo eleitoral será mais estreito, mais violento e bem menos inteligente. O grau de reflexão e o cardápio de escolha aberto aos eleitores serão mais ralos. O pleito será pior. Um bom candidato de centro pode até não se sagrar vencedor ao final, mas qualificará as discussões e elevará o nível clareza das propostas.
Ao que voltamos à mesma interrogação: qual seria essa candidatura? Até agora não sabemos se as siglas partidárias disponíveis terão a grandeza necessária para sacrificar interesses imediatos em prol de uma aliança menos oportunista. Não sabemos se terão capacidade para forjar uma solução menos óbvia, menos rasteira.
Compreende-se a dificuldade. Costurar uma chapa nesses moldes requer um patamar de elaboração e de articulação mais complexo do que as agremiações baseadas em cultos irracionais – e um tanto primários, ou mesmo primitivos – de personalidades mais ou menos salvacionistas. Os indícios de que o centro está no centro da pauta, que são numerosos e convincentes, sinalizam uma provável inclinação da esfera pública a adotar um caminho sem extremismos – só o que falta é uma resposta partidária que dê concretude e viabilidade a esse caminho. O tempo é curto e, até aqui, os agentes que poderiam assumir o encargo apenas batem cabeça. Será que os partidos políticos que aí estão vão fracassar também nisso?
Uma lembrança talvez ajude os dirigentes empenhados nessa empreitada. O centro, na política presente, não se define como um ponto equidistante, e passivo, entre as duas pontas do espectro ideológico, mas como um enfeixamento que se alimenta do que é contraditório para apresentar não uma síntese conclusiva, não um ponto de chegada, mas um ponto de saída, a partir do qual o presente se desarme e o futuro possa respirar.
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