terça-feira, 8 de agosto de 2017

Parlamentarismo de corrupção

O homem que se vende recebe sempre mais do que vale
Barão de Itararé (1895-1971)

No reinado de Pedro II houve o “parlamentarismo de imitação”: a partir do final dos anos 50 do século XIX, o chefe do gabinete de ministros era escolhido no partido que tinha maioria na Assembleia Geral do Império. Liberais e conservadores, vinculados à lavoura cafeeira escravocrata em expansão, revezaram-se no comando. Grãos de café do mesmo saco: “nada mais parecido com um conservador do que um liberal no poder”.

Ganhar as eleições era fácil para os de cima: voto de cabresto, currais eleitorais, fraudes (“eleições a bico de pena”) e, em casos extremos, a “fidelidade do cacete”. Tudo isso continuou na República presidencialista, com uma breve experiência parlamentarista para reduzir os poderes de Jango, entre 1961 e 1963. O Legislativo, a partir da Constituição de 1988, ganhou ainda mais relevância.

Temer transitou do presidencialismo de cooptação – imposição da “governabilidade”, juram os presidentes que fizeram alianças fisiológicas para ter apoio no Congresso – para o atual “parlamentarismo de corrupção”.


Corrupção institucional. Afinal, liberar R$ 4,1 milhões em emendas parlamentares de junho para cá, empenhar recursos da ordem de R$ 10 bilhões para obras em redutos eleitorais de aliados, refinanciar dívidas do agronegócio e oferecer cargos no governo é “legal”. Na real, é COMPRA DE VOTOS, que a lei e a moralidade pública incriminam. Derrame de dinheiro público superior ao despendido para Sarney ter cinco anos de mandato e FHC aprovar o direito à reeleição.

No dia 2/8, na Câmara, surgiu uma nova modalidade de ética de ocasião: depois do “rouba mas faz” (desde os anos 50, dos tempos de Adhemar de Barros) e do “rouba mas é pela causa” (com que setores da esquerda tentaram justificar sua entrada no banquete dos desvios), inaugurou-se o “rouba mas é pela estabilidade”. Alguns pediram trégua temporal: “investiga depois”.

Corrupção institucional e sistêmica: metade dos R$ 24 bilhões investidos pelo FI-FGTS (fundo mantido com dinheiro do trabalhador!) em empresas privadas foi liberada com pagamento de propina; nomeações de segundo e terceiro escalões também se inscrevem no método de “criar dificuldades” (exigências burocráticas) para “obter facilidades” (paga-se para desembaraçar); propostas de mudanças drásticas na legislação, como as da Previdência, carecem de legitimidade básica, pois jamais foram submetidas à apreciação da população na campanha eleitoral. Tudo isso corrompe a democracia.

Para culminar, está em curso uma Operação Abafa contra as investigações sobre o conluio espúrio grandes empresas-partidos, a fim de salvar todos os da casta política. Essa poderosa articulação, liderada pelo governo comprometido com “estancar a sangria”, junta até adversários. Seu mantra enganoso é “salvar a política”, isto é, eles próprios.

A época é de resistência cidadã e democrática, de que cada um tem que ser capaz. Como versejou João Cabral de Melo Neto (1920-1999), no seu clássico “Morte e Vida Severina”, “mais vale lutar com as mãos do que abandoná-las para trás”.

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