Martinho Lutero questionou o poder. Ele desestabilizou o mundo medieval. Ele ousou contestar tanto o papa como o imperador romano – algo que 500 anos atrás era considerado não apenas impossível, mas também uma sentença de morte certa.
Nos tempos de Lutero, o imperador e o papa detinham o poder. Mas quando se tratava de questões de fé, o monge agostiniano não queria se subordinar a eles, mas apenas ao poder da própria consciência. Ele colocava em dúvida a infalibilidade do papa e se recusava a obedecer ao soberano mais poderoso da Europa. A reação de Roma a tal ofensa foi a excomunhão, e o imperador Carlos 5º declarou-o um fora da lei.
Lutero justificou a própria rebeldia apelando à liberdade de consciência. Ele estava fortemente convencido de que a fé é um dom; a busca por Deus não se permite acelerar por meio de atos de bondade; e pecados não podem ser pagos com indulgências.
Tal mensagem teológica caiu como uma bomba no auge do comércio de indulgências e nos primórdios da imprensa. Ela renovou o cristianismo, pressionou a Igreja Católica a se modernizar e abriu o caminho para o Iluminismo. Lutero construía assim as bases para a tolerância, a liberdade religiosa e a autodeterminação, tal como as conhecemos hoje.
O monge agostiniano, no entanto, não se via como um revolucionário, mesmo tendo impulsionado mudanças revolucionárias. Ele não foi um divisor da Igreja, mas um rebelde conservador que queria reformar a própria Igreja e retornar às origens do cristianismo.
O fato de ele ter fracassado se deve em parte à falta de vontade por parte de Roma. O Vaticano rejeitou a declaração de consenso do Colóquio de Regensburg, em 1541. Assim, 24 anos após a publicação das 95 teses de Lutero, foi desperdiçada a última chance de acordo entre católicos e protestantes.
Lutero não foi um modelo de tolerância. Ele rompeu não apenas com Roma, mas também com outros reformadores, como Ulrich Zwingli, Thomas Müntzer e Erasmo de Roterdã. Sem falar em seu antissemitismo.
Mesmo assim, o monge abriu o caminho para a tolerância. Pois a fundação de várias novas igrejas mundo afora fez com que cristãos de diferentes confissões fossem obrigados a aceitar a fé uns dos outros – um processo difícil, que ainda não foi concluído.
Lutero não foi uma figura popular. Ele foi um corajoso reformador, com personalidade forte e falhas. Ele é hoje parte do DNA alemão, sendo muitas de sua características consideradas "tipicamente alemãs": conservador, fiel aos próprios princípios, combativo. Se Lutero vivesse hoje, ele bateria de frente, ao mesmo tempo, com o Conselho de Segurança da ONU, a Otan e os líderes espirituais de todas as religiões.
Se ao menos Lutero pudesse voltar para terminar seu trabalho, sua Igreja poderia aproveitá-lo. Ele certamente se surpreenderia com o quão "evangélica" a Igreja Católica já se tornou. E certamente ele se entenderia melhor com o papa Francisco do que com Leão 10º e Clemente 7º, papas do seu tempo.
Se ele soubesse que Francisco homenageia a Reforma junto a protestantes justamente no dia 31 de outubro, na Federação Luterana Mundial em Lund, na Suécia, ele gostaria muito de estar entre os convidados. Talvez ele se arrependesse amargamente de, certa vez, ter chamado o papa de anticristo. Pois este pontífice também é corajoso e quer reformar a própria Igreja.
Se seus irmãos de fé comungassem junto a Francisco, então a obra de Lutero estaria completa e teria início a reforma da Reforma. Sentar juntos à mesa seria o maior presente que católicos e protestantes poderiam dar uns aos outros na véspera do 500º aniversário da Reforma Protestante.
O papa Francisco parece ter compreendido isso. Às vésperas do jubileu, ele inaugurou uma estátua de Lutero no salão de audiências do Vaticano. E recebeu peregrinos vindos do reduto da Reforma, segundo noticiou o jornal alemão Süddeutsche Zeitung. A resposta do pontífice à pergunta sobre quem são melhores, católicos ou protestantes, poderia servir de lema para o jubileu: "Melhores somos todos juntos."
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