Esse desejo de ressuscitar dos escombros e até quase de esperança em que as coisas possam melhorar parece querer aflorar, embora seja apenas como antídoto contra a desesperança em que as lutas sombrias pelo poder arremessaram o país. Diz-se que a esperança é a última que morre, mas lembro também que um velho professor de teologia nos dizia na universidade em Roma que, de todas as virtudes, a mais difícil de cultivar era a esperança. E isso porque o pessimismo floresce em cada canto de nossa existência.
Vivi na Itália o escândalo da Operação Mãos Limpas e, hoje, o da Operação Lava Jato. Desfrutei da queda do Muro de Berlim, que atravessara seis meses antes de desmoronar, e da criação feliz de uma Europa Unida –e hoje ainda consigo ter medo dos movimentos que nos lembram passados sombrios de barbárie, exclusão dos diferentes e campos de concentração. E me dá medo a pós-verdade que privilegia as sensações à realidade. A História, por experiência pessoal, é escrita com a tinta de muitas cores, umas mais opacas e outras mais luminosas.
Tudo isto para dizer que hoje, que sofro por este país que amo, preferiria que o pêndulo entre pessimismo e esperança pudesse começar a inclinar-se na direção desta última. O Brasil tem recursos humanos e naturais, experiência e capacidade para apostar na esperança mesmo em meio às piores nuvens de tempestade.
Entre os muitos presentes que me brindou este aniversário de muitos anos já vividos, dois foram simbólicos. O primeiro, o de um despertar com sol e ar de primavera, depois de dois dias de frio polar, mar endiabrado e chuva e vento, desconhecidos nestas terras. Quis ver isso como símbolo de um Brasil que poderia estar saindo do túnel do pessimismo para momentos melhores. Como conseguir, não sei, mas como muitos prefiro apostar no despontar da esperança em vez de continuar aprisionado pelo pessimismo.
O outro presente, o mais distante, foi uma frase que me enviaram meus queridos tradutores para o japonês, Kats e Yuki. Não os conheço pessoalmente, mas são para mim um exemplo de lutadores. Ainda em meio a graves problemas profissionais, nunca os vi perder a esperança. Enviam-me a frase de um dos maiores compositores musicais espanhóis do século XX, Joaquín Rodrigo, autor da célebre música O Concerto de Aranjuez. Cego desde os três anos, o maestro Rodrigo via o mundo, dizia, “com os olhos de seus amigos”. Sua luta pela autenticidade foi tão grande como a de seu talento musical. Sua falta de visão não o fez perder a esperança. Aos inimigos que o consideravam um criador conservador, pouco moderno, ele dizia, como me recordam meus amigos japoneses: “Meu copo é pequeno, mas bebo em meu copo”, um verso que acabou sendo o epitáfio do compositor.
Da esperança dos brasileiros neste momento de quase cegueira e animosidade coletiva, seria possível dizer, como o compositor, que é como um copo pequeno, mas é o nosso e dele necessitamos beber se não quisermos morrer de pessimismo. Se o maestro Rodrigo não se sentia infeliz obrigado a ver com os olhos de seus amigos, talvez hoje, para recuperar a esperança, necessitemos todos mais da força de nos sentirmos unidos do que das rupturas. Melhor do que uns contra outros, todos juntos, sem renunciar à própria identidade e pensamento, mas cada um ajudando aos demais para reconstruir um Brasil mais digno de ser vivido e amado, menos violento e mais igual.
Às vezes as melhores catedrais se erguem do nada. Minha colega Flávia Marreirome recorda hoje em uma mensagem que “a felicidade está nos pequenos detalhes”. Tem razão. O mesmo se passa com a esperança. Vamos apostar neste Brasil melhor, embora seja só com o pequeno detalhe de começar a sonhá-lo?
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