sábado, 14 de julho de 2018

Uma história de 15 anos (ou "Os Demônios")

Lula foi eleito em 2002. Na posse, disse que “não tinha o direito de errar”. O resto é história. Mas recuemos um pouco. Nossa história há de começar por um crime: em 18 de janeiro de 2002 o então prefeito de Santo André foi sequestrado enquanto jantava em companhia de Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, e assassinado. Celso Daniel era coordenador de campanha de Lula. Oito pessoas ligadas à cena do crime foram assassinadas – desde o garçom que o atendeu até o agente funerário que reconheceu o corpo. Sigamos.

A viúva de Celso Daniel, Miriam Belchior, seria figura importante nos governos Lula e Dilma: foi assessora especial do presidente da República, subchefe de Articulação e Monitoramento da Casa Civil da Presidência da República, ocupou a secretaria executiva do tal Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – substituindo a então ministra Dilma Rousseff, a gerentona –, até que, em 2011, chegou ao topo da carreira: foi ministra do Planejamento, Orçamento e Gestão, e em 2015 assumiu a presidência da Caixa Econômica Federal, de onde só saiu com o impeachment.

Se um fato simboliza o PT, e se alguém simboliza o petismo, estes são o assassinato de Celso Daniel e a carreira de Miriam Belchior no governo e na burocracia. Mas sigamos.

Algo não estava previsto: em 2005, Roberto Jefferson denunciou o mensalão. Mas Lula foi poupado. Foi poupado por Marcos Valério, foi poupado por seus companheiros de partido, foi poupado pela Procuradoria-Geral da República, que não o denunciou, foi poupado pela imprensa e, principalmente, foi poupado por Fernando Henrique Cardoso e sua tese de que era preciso “deixá-lo sangrar”. O resultado: em 2006 Lula foi reeleito.

O STF só viria a julgar o mensalão em 2012. Os políticos em geral ou foram absolvidos, ou receberam as penas mais brandas; os empresários pegaram cana dura. Delúbio Soares tinha razão: o brasileiro tem memória curta e uma hora tudo iria virar piada de salão. José Dirceu, por exemplo, recebeu um perdão judicial. O próprio Delúbio, vejam só, também recebeu perdão judicial. Marcos Valério segue preso.

O método de governar do PT era sair comprando. Com dinheiro compravam-se os deputados. Era com dinheiro também que o PT iria comprar os grandes empresários. E aí entravam o BNDES, a Petrobras e a pletora de estatais. Era a época em que ouvíamos falar das “campeãs nacionais”, das empreiteiras e dos estádios para a Copa, das desonerações tributárias para a linha branca. A imprensa? Ora, compra-se também, com anúncios. Os pobres? Compra-se com Bolsa Família, com fogão novo, com bolsa em faculdade que não ensina. Os sindicatos, a academia e a igreja, estes já estavam comprados desde sempre.

Os artistas eram financiados gordamente com Lei Rouanet, e no palco homens nus andando em círculo enfiavam o dedo no ânus uns dos outros, com dinheiro público. Nas galerias de arte, com apoio dos grandes bancos, Nossa Senhora segurava um macaco, hóstias eram vilipendiadas. Artistas-militantes-comediantes, soi-disantes politizados, em eventos-comícios gritavam “fim da PM, se não acabou, tem de acabar”. O auge de toda esta loucura foi um programa Roda Viva, em 5 de agosto de 2013, em que Bruno Torturra, do Mídia Ninja, e Pablo Capilé, do Fora do Eixo, deram explicações muito sérias e compenetradas sobre como funcionava o “Cubo Card”, a moeda alternativa das casas coletivas – a mídia é ninja, a casa é alternativa e coletiva, mas no entanto recebe financiamento de George Soros, em dólar de verdade.

As ideias mais extravagantes eram acolhidas com entusiasmo. Um vento de alegria e loucura soprava sobre o país.

Sem oposição política, com a simpatia da imprensa e da classe artística, e com apoio do PIB e dos movimentos sociais, o PT sentia-se à vontade para esmagar a classe média e os seus opositores. Uma constatação feita há muitos anos pelo filósofo Olavo de Carvalho se cumpria: todos os políticos tradicionais, de oposição ao PT, ou aderiram ao petismo, ou então seriam presos, ou relegados ao ostracismo, com suas biografias destruídas.

E o PT avançava desavergonhadamente. Montou a Comissão da Verdade, para punir inimigos e indenizar amigos, trouxe médicos cubanos, tentou aprovar um decreto (o 8.243/2014 que implantava sovietes e suprimia o poder do Congresso), avançou sobre a regulação da internet, sobre a regulação da publicidade; sob o manto do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), avançou a sua agenda politicamente correta à revelia do Congresso Nacional, em temas como controle social dos meios de comunicação, expansão do Bolsa Família, reforma agrária, relativização do direito à propriedade, cotas para negros e índios, legalização do aborto (inclusive com realização do procedimento pelo SUS), imposto sobre grandes fortunas, legalização da prostituição, políticas LGBT e identidade de gênero e desarmamento; emprestou mais de R$ 50 bilhões a juros subsidiados e mediante contratos secretos para governos esquerdistas como os de Venezuela, Cuba, Bolívia e Nicarágua.

Fernandinho Beira-Mar foi preso. Ele trocava fuzis por cocaína com as Farc. O PT era parceiro das Farc e de seus líderes, Raúl Reyes e Manuel Marulanda, com quem se sentava todos os anos em reuniões do Foro de São Paulo. Lula chegou a admitir que, se não fosse o Foro de São Paulo e o silêncio obsequioso da imprensa, os governos de esquerda da América Latina não teriam sido eleitos; Hugo Chávez não teria sido eleito. Na capital paulista, uma liderança do PCC dá a ordem: “No dia da eleição é pra todo mundo votar pro Genoino”.

E Lula chegou ao fim do seu segundo mandato com altíssima popularidade, capaz até de eleger um poste. Os petistas pareciam ter aprendido o segredo de como, habilmente, manobrar os espíritos. Pareciam ter entendido que, afinal, o êxito do socialismo é em grande parte devido ao sentimentalismo. Com João Santana e meia dúzia de palavras-gatilho, o PT elegeu o seu poste – Dilma Rousseff. O resto é história.

Todos se deixavam seduzir.

Após o julgamento do mensalão, os petistas perceberam que o Judiciário também não lhe ofereceria mais resistências. O Judiciário, na verdade, cooperava em seu projeto: enquanto os próceres petistas eram condenados no mensalão e gestavam o petrolão, o STF julgava demarcação de terras indígenas e quilombolas; liberava o aborto de fetos anencéfalos, o casamento gay, a Marcha da Maconha, o aborto até o terceiro mês de gestação por decisão monocrática; proibiu a prisão após condenação em segunda instância, julgou constitucionais as cotas raciais, liberou o auxílio-moradia para todos os juízes do Brasil por decisão liminar e proibiu a extradição de Cesare Batistti.

Impossível falar em STF e em PT sem lembrar de Dias Toffoli. Ele foi advogado do PT – repita-se, advogado do PT – nas campanhas de Lula em 1998, 2002 e 2006, e entre janeiro de 2003 e julho de 2005 exerceu o cargo de subchefe da área de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência da República, durante a gestão de José Dirceu – repita-se, era assessor de José Dirceu. Era advogado do PT. Hoje é ministro do Supremo. Nascido em 1967, Toffoli foi nomeado por Lula em 2009, aos 42 anos de idade. Poderá ficar no tribunal até completar 75 anos, ou seja, até 2042. Foi Toffoli quem deu o voto condutor, na Segunda Turma, que tirou José Dirceu da cadeia dias atrás. Não vamos nos iludir: em breve Lula também será tirado da cadeia.

E é significativo que, no STF, os ministros que hoje são identificados com a moralidade e o combate à corrupção – Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, ambos nomeados por Dilma – sejam também os esquerdistas da corte: o primeiro, ex-advogado de Cesare Batistti, autor da tese que resultou na proibição das doações de empresas para campanhas eleitorais, defensor da liberação das drogas e do aborto. O segundo, parceiro do MST e da CUT, acaba de dar um voto a favor do restabelecimento da contribuição sindical.

Em 2016 Dilma sofreu o impeachment. A dívida interna teve um aumento, só em 2016, de 12,67% saltando para R$ 2,98 trilhões. Segundo dados do Tesouro, a dívida pública mais do que dobrou entre 2006 e 2016. A inflação batia em mais de 10% ao ano. O déficit do governo federal era de R$ 154 bilhões. A retração do PIB foi de 3,8% em 2015, ano em que foram destruídas 1,5 milhão de vagas formais de empregos. O roubo à Petrobras foi de R$ 6 bilhões, segundo lançamento contábil da própria empresa. O número de assassinatos em 2016 foi de 61.619, o maior registro de mortes violentas da história do nosso país.

Os demônios vieram para roubar, matar e destruir.

E o assassinato de Celso Daniel? Nunca foi esclarecido. Em 2014 o STF deferiu o Habeas Corpus 115714, impetrado pela defesa de Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, para determinar a anulação, desde a fase de interrogatório dos réus. Ou seja, foram anulados todos os atos processuais ocorridos desde dezembro de 2003. Em 27 de setembro de 2016, Sérgio Sombra morreu em decorrência de um câncer, sem ter sido julgado.

Luiz Cezar de Araújo

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