O missivista (ainda se usa essa palavra?) não é, a rigor, um desconhecido; é um leitor que me escreve rotineira e educadamente, em geral enviando links para colunas e matérias com um certo viés. Ele sabe que não pensamos da mesma forma e não pretende me converter, apenas apontar o que lhe parece mais sensato do que o que eu escrevo. Respondi:
“Não estou elogiando os petistas. O que você chama de ‘bolsonarice’ atende por corrupção, e corrupção por parte de uma das piores ditaduras atuais. Duvido que os sauditas tivessem coragem de oferecer tais mimos a Angela Merkel ou a Jacinda Ardern. Não ser petista não faz do Bolsonaro um ser humano ou um governante minimamente aceitável.”
Ele replicou:
“Não está elogiando os petistas, mas ao não criticar Lula e o PT (sim, o governo deles já começou!) e ao fazer de Bolsonaro alguém ainda pior do que ele é, torna o efeito parecido. O governo Lula usa o Bolsonaro como ‘seguro’. O mesmo ditador daria o presente ao Lula, que o aceitaria. P.S. aceitar aquele presente é moralmente errado, talvez mesmo algo ilegal, mas não é propriamente corrupção, de acordo com nossa Lei.”
Meu leitor ignora que é impossível fazer de Bolsonaro alguém ainda pior do que ele é, e aí está, a meu ver, a sua maior falha filosófica. O governo Lula, ao contrário, sabe bem disso (razão pela qual, justamente, o usa como “seguro”).
Acho importante o que ele me escreveu porque revela como parte ponderável do país pensa sobre o assunto, a saber: 1) Lula teria feito o mesmo, e 2) aceitar milhões em joias talvez seja ilegal, embora não seja propriamente corrupção.
Tecer considerações no subjuntivo é um exercício inútil, mas duvido que Lula fizesse o mesmo — não por ser a “viva alma mais honesta do Brasil”, mas por ter inteligência política para perceber o potencial de estrago de um certo tipo de “presente”. Em 2003, sua falecida esposa Marisa Letícia fez questão de doar ao Fome Zero, muito publicamente, um colar que recebeu nos Emirados Árabes.
(A política é feita tanto de símbolos quanto de fatos.)
Duvido, sobretudo, que a Arábia Saudita tivesse a audácia de oferecer um presente tão insultuoso para o atual governo, ainda mais por baixo dos panos. No cenário internacional, goste-se dele ou não, concorde-se ou não com a direção da nossa política externa, o Brasil de Lula é protagonista, enquanto o de Bolsonaro era pária — e assombração sabe para quem aparece.
Isso não quer dizer que Lula seja um santo. Ele está longe disso, muito, muito longe. Mas de todos os políticos da História recente do país, ele é o mais ambicioso, e o que melhor entendeu o seu papel: a sua obsessão é pelo poder, e não por quinquilharias, rachadinhas ou cargos para a parentalha.
Por isso, aliás, foi para a prisão, e não para Orlando; mas aí já são outros quinhentos.
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