quinta-feira, 28 de abril de 2022

Mais ideias, menos personalismo

É impressionante como a atual sucessão presidencial é vazia de ideias e rica em culto a personalidades. É uma confirmação de nossa tradição política histórica. Os holofotes se concentram na trajetória pessoal e características dos personagens que protagonizam a disputa, restando aos partidos e programas um papel secundário e acessório. Isso resulta de uma eterna espera de um salvador da pátria, um super-herói, uma figura mitológica, um “deus” onipotente e onipresente que vai nos redimir de todos os males. Foi assim com Vargas, Jânio e Collor. E, hoje, é revivido em torno das lideranças carismáticas de Lula e Bolsonaro. A alternativa ao populismo seria certamente muito mais trabalhosa.

O Brasil se encontra mergulhado em profunda crise. O crescimento da economia em 2022 será pífio. A inflação inferniza o cotidiano da população. O desemprego é superior a 11%. Os juros estão nas alturas e garroteiam o consumo e a produção. A tão necessária reforma tributária continua em banho-maria. O presidencialismo brasileiro encontra-se cada vez mais atrofiado. As desigualdades sociais e regionais são escandalosas. A agenda ambiental foi praticamente abandonada. A democracia volta e meia é ameaçada. A qualidade da educação continua claudicando em patamares insatisfatórios. A eficiência estatal é cada vez menor. A crise fiscal é empurrada com a barriga. É sobre isso que os candidatos à Presidência da República deveriam se posicionar. No entanto, ficamos a discutir qualidades e defeitos pessoais que envolvem Lula e Bolsonaro.

Não se tem notícia de quais são os programas de governo que legitimam as aspirações presidenciais dos principais candidatos. Exceções pontuais existem em outras candidaturas. Mas, vamos combinar, não é isso que pauta o debate nacional. A fé que nos move é que o salvador da pátria eleito saberá o que fazer depois.


A terceira via não colocará suas ideias nas ruas enquanto não escolher uma candidatura viável e competitiva. Ciro Gomes tenta, isolado, furar a bolha da polarização. Mas o debate nas redes sociais e na cobertura jornalística se concentra no confronto entre Lula e Bolsonaro. E, daí, não se vislumbra um desenho claro de projeto para o futuro do país.

Bolsonaro perdeu dois pontos simbólicos que rechearam o conteúdo de sua campanha em 2018: o combate à corrupção, com o afastamento de Sergio Moro, e a agenda liberal de Paulo Guedes, que hoje jaz na poeira das gavetas de arquivos abandonados. Escora-se na pauta conservadora de costumes e no combate aos moinhos de vento do fantasma comunista. Evita discutir a crise econômica e social e alimenta o antipetismo.

Lula realça as conquistas do passado, espalha bravatas como a da imagem da crise da Ucrânia resolvida numa mesa de bar, passa longe de qualquer autocrítica sobre a corrupção e a desastrosa condução da política econômica nos governos petistas. Surfa na rejeição ao atual governo. Sobre o futuro, acena com uma agenda regressiva, incluindo a revogação das reformas trabalhista e previdenciária e o fim do teto de gastos.

Se o rumo da campanha for este, estaremos em maus lençóis. Há 230 anos morria Tiradentes. Certa vez, ele disse: “Se todos quisermos, poderemos fazer deste país uma grande nação. Vamos fazê-la”. Mas isso não virá com o vento nem cairá com a chuva, dependerá fundamentalmente de nossas escolhas.

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