quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Cordial, blasé e decorativo

Você o vê de vez em quando na televisão —não tanto que dê para saturar, nem tão pouco que não o reconheça. É um homem em trânsito permanente. Quando um repórter o laça para uma pergunta, ele está sempre saindo de um carro ou entrando em outro, subindo ou descendo rampas, cercado de aspones e a caminho de algum lugar. Dir-se-ia ocupadíssimo, mas, como sabe ser de sua obrigação, não deixa de conceder um ou dois minutos para um papo com os rapazes e moças. E, ao fazer isso, exibe toda a sua cordialidade, fleuma e bonomia. É o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República.


Não importa a pergunta. Se o jornalista falar da tragédia ambiental, do fogo na mata, dos animais carbonizados, do desmatamento criminoso, do ataque às nascentes, da destruição da terra ou da expulsão dos indígenas, ele responderá a tudo com seu ar blasé e bonachão. Não pode desmentir as acusações filmadas e documentadas, mas também não vê nada demais nelas. Vamos resolver, sorri. E não o altera que, a cada sorriso benigno que oferece às câmeras, uma ararinha azul ou onça-pintada vire torresmo pela ação ou inação de seus subordinados.

É o seu estilo, a naturalidade com que recebe as gafes, impropriedades e mentiras do governo. Não é tão grave assim, não fomos nós que fizemos, não foi bem isso que ele quis dizer —são alguns de seus mantras para defender os homens que estão demolindo a saúde, a educação, o trabalho e o caráter do país.

Ou talvez nada seja com ele. Mourão deve sentir-se reconfortado por ser apenas o vice-presidente dessa miséria —confiante de que, por sua função subalterna, não será cobrado por ela.

Mas é aí que se engana. Ele faz parte do governo. Ao ser tão "compreensivo" diante do que vê e que sabe, está pondo seu jamegão no que acontece lá dentro. A não ser que não veja nem saiba nada, e seja mesmo só decorativo —como se julga.

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