Bolsonaro despejou no tapete da sala dos lares brasileiros uma miscelânea confusa de temas —da Copa América à Ceagesp, estatal de alimentos de São Paulo. O enchimento de linguiça obscureceu as duas poses principais. O orador celebrou como conquista pessoal o bom resultado da economia no primeiro trimestre e prometeu vacinar até o final do ano todos os brasileiros que desejarem. No primeiro caso, soou como oportunista. No segundo, como usurpador.
Bolsonaro exagerou no oportunismo ao insinuar que o PIB cresceu acima do esperado por conta dos seus conselhos para que os "maricas" não ficassem em casa. Deve-se o grosso da reação da economia à alta das commodities no mercado internacional, não ao consumo dos brasileiros que são forçados a desafiar o vírus cotidianamente.
O capitão usurpou realização alheia ao prometer vacinas como se a CPI da Covid não tivesse descoberto nada sobre os 130 milhões de doses que ele impediu que o Ministério da Saúde comprasse da Pfizer e do Butantan em agosto de 2020. Oito em cada dez doses de vacinas espetadas nos braços dos brasileiros saíram do Instituto Butantan. Confundindo amnésia com consciência limpa, Bolsonaro finge que nunca disse que jamais compraria a "vacina chinesa do Doria".
O presidente repetiu a lorota segundo a qual "o Brasil é o quarto país que mais vacina no planeta". Essa fantasia considera o número absoluto de brasileiros que receberam a primeira dose da vacina. A imunização só é obtida após a segunda dose. E o sucesso da vacinação é medido pelo percentual da população vacinada. Hoje, receberam a primeira dose 22% dos brasileiros. As duas doses, menos de 11%.
A ansiada imunidade coletiva só será alcançada depois que mais de 70% dos brasileiros forem vacinados. Graças ao atraso da entrada do Brasil na corrida por vacinas, a imunização caminha em ritmo de lesma bêbada. Em vez de avançar, recua. Em maio, aplicaram-se 4,1 milhões de doses a menos em comparação com o mês anterior. Queda de 16%.
Fantasiado de Zé Gotinha, Bolsonaro demonizou os governadores. "O nosso governo não obrigou ninguém a ficar em casa, não fechou o comércio, não fechou igrejas ou escolas e não tirou o sustento de milhões de trabalhadores informais." Ao confundir ciência com ficção científica, o orador se abstém de informar que as restrições sanitárias são impostas pelo vírus, não por governadores malvados.
As pesquisas, o barulho das panelas e os gritos de "fora, Bolsonaro" sinalizam que é cada vez menor o número de brasileiros dispostos a suportar ofensas à inteligência alheia.
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