— Então, queria saber onde fica o Setor das Propinas. Tem uma aí que não pude pegar.
— Não pôde, é?
— É, tinha designado o meu suplente para cuidar desse tipo de assunto, mas o cara foi cassado.
— Puxa, que chato.
— Nem me diga. Aí fica essa dor de cabeça. Eu mesmo preciso vir. Despenquei da minha cidade só para isso.
— Um transtorno.
— Enorme, enorme. Vou até perder a festa de aniversário da sobrinha do vizinho da minha ex-sogra.
— Não pôde, é?
— É, tinha designado o meu suplente para cuidar desse tipo de assunto, mas o cara foi cassado.
— Puxa, que chato.
— Nem me diga. Aí fica essa dor de cabeça. Eu mesmo preciso vir. Despenquei da minha cidade só para isso.
— Um transtorno.
— Enorme, enorme. Vou até perder a festa de aniversário da sobrinha do vizinho da minha ex-sogra.
— Obrigado. Em trinta anos nesta casa, é a primeira vez que uma situação dessas me acontece. Já foi mais simples. Tinha uma época que a gente recebia em cheque, num lindo envelope, fechado com cera quente. Coisa fina, de muito bom gosto.
— Lembro bem. Tempos de ouro.
— Muito ouro. Tudo funcionava direitinho. Eu chegava ao aeroporto, entrava em um táxi, buscava o envelope, tomava um café, fazia um discurso inflamado para a TV e voltava a tempo de pegar o penúltimo voo, porque o último sai muito tarde e eu gosto de dormir e acordar cedo.
— No que Vossa Excelência faz muito bem, senhor deputado. Deus ajuda…
— … a quem cedo madruga.
— É o que diz a sabedoria popular.
— E aí veio a época do depósito direto. Funcionou bem até aquele assessor dar com a língua nos dentes e obrigar todo mundo a abrir contas secretas em paraísos fiscais. A minha, por exemplo, está em Liechtenstein. Nem sei onde fica no mapa.
— Ninguém é obrigado a saber, senhor deputado.
— É o que eu sempre digo por aí. E é melhor assim. Se der zebra (bate na madeira três vezes, gesto repetido pelo atendente), ninguém poderá me obrigar a ir ao banco retirar o dinheiro.
— Muito sábio de vossa parte.
— Aí, tiveram essa ideia de criar o Setor das Propinas. É boa, admito. Escancarando a coisa, ninguém percebe. Quando tudo era escondido, sempre havia aqueles jornalistas que não tinham nada melhor para fazer e ficavam procurando informações confidenciais, pistas, conexões secretas.
— Esses jornalistas…
— O inconveniente é que agora alguém precisa passar para encher a maleta e assinar o recibo em três vias.
— Pra que tanta burocracia, Vossa Excelência?
— Pois é, pra… Ai, meu Deus!
— O que houve, senhor deputado?
— Ficamos aqui nesse papo bom e esqueci que tenho um pronunciamento agora, no plenário. Aproveitei que vinha e marquei na agenda.
— Posso perguntar qual o assunto do discurso de Vossa Excelência?
— Pode, claro. Vou esbravejar contra a corrupção que assola o nosso Brasil.
— Bravo! É gente como o senhor que constrói um país melhor.
Daniel Cariello
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