Bolsonaro não empolgou no discurso pois, de fato, não empolga ninguém quando discursa formalmente. O forte dele como figura política está na rapidez e “gaiatice” de algumas respostas – como a que resumiu a condição de seu adversário nas últimas eleições ao mencionar a razão de não topar duelos verbais: “quem conversa com poste é bêbado”. Mas nada disso no discurso formal, que parece melhor lido do que ouvido.
No que ele não disse, ou não se referiu diretamente, vislumbra-se o reconhecimento de alguns dados da realidade. O primeiro é o fato de que o público clássico de Davos (justamente os tais “globalistas” apegados à globalização que Bolsonaro tanto detesta) pouco se deixa levar por histrionismos, piadas, frases de efeito e oratória exacerbada. Quer linhas mestras – de preferência, com detalhes que, no caso, o presidente brasileiro não tinha para fornecer ou não achou necessário.
Bolsonaro falou dos grandes temas caros para esse público (que é o público que, mal ou bem, comanda a ampla agenda internacional): meio ambiente, segurança jurídica, abertura da economia, desregulação, diminuição de carga tributária, combate à corrupção. Falou talvez para o público interno quando se referiu à defesa dos “verdadeiros direitos humanos”. Os estrangeiros não devem ter entendido: lá fora o conceito de direitos humanos é um só.
Outro reconhecimento implícito, no tom (e também na forma do discurso) cordato, morno, pausado, é o de que a eleição de Bolsonaro foi um fato que uniu boa parte da imprensa internacional em severas críticas ao personagem político, e não estamos falando de órgãos da mídia claramente com posturas editoriais de esquerda. Esse é um dado concreto da realidade: nenhum governo brasileiro recente assumiu com uma imagem lá fora tão avariada como o de Bolsonaro. Marcar e desmarcar coletivas, com queixas fundamentadas ou não sobre o comportamento da imprensa, só vai piorar um quadro ruim.
O abandono de algumas posturas que costumam gerar muitos aplausos nas redes de apoio bolsonaristas – principalmente ligada a costumes e combate ao crime – indica também a admissão de que essas posturas (a “lacração” na internet) não são conteúdo capaz de gerar simpatias internacionais que ele, implicitamente, pareceu empenhado em conquistar. E há o reconhecimento explícito que o conjunto de regras multilaterais do comércio merece ser reformado para coibir “práticas desleais” (o velho protecionismo aplicado sem dó e defendido hoje sobretudo por Trump, que Bolsonaro tanto admira).
Bolsonaro passou ao largo ou foi genérico em relação às principais questões internacionais mais relevantes (como a crescente tensão geopolítica entre Estados Unidos e China, por exemplo), mas indicou que o Brasil pretende entrar para o clube da OCDE – o seleto grupo de economias que prosperou e parece razoavelmente interessado na tal “ordem liberal internacional” tão criticada por inspiradores de discursos do presidente.
No fundo, o que o estilo dessa estreia internacional traduz é o mais importante reconhecimento de um fato fundamental para esse novo governo. Bolsonaro deve se sentir aliviado constatando que será julgado não pelo que disser, mas pelo que fizer.
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