Quarta-feira, Bolsonaro chegou a ponto de produzir essas provas no exato momento em que o ex-ministro da Saúde Nelson Teich prestava depoimento à CPI. Enquanto o ex-ministro confirmava aos senadores que deixou o Ministério da Saúde, depois de menos de um mês no cargo, porque descobriu que não teria autonomia e porque foi pressionado a estimular o uso de medicamentos inúteis contra a covid-19 a título de “tratamento precoce”, Bolsonaro discursava fazendo violenta defesa desses remédios.
“Canalha é aquele que critica o tratamento precoce e não apresenta alternativa. Esse é um canalha”, disse o presidente ao mesmo tempo que seu ex-ministro da Saúde dizia que o “tratamento precoce” é um erro – tal como já fizera na CPI outro ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, anteontem. Esse erro recebeu vultoso investimento do governo federal, ao passo que a compra de vacinas foi deixada até recentemente em segundo plano.
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Em outubro de 2020, quando o País já contabilizava quase 160 mil mortos, Bolsonaro questionou a ânsia por uma vacina. “Não sei por que correr”, declarou na época. No mês seguinte, disse que “o povão parece que já está mais imunizado” porque não ficou em casa, sugerindo que a vacina era desnecessária.
O presidente desestimula sistematicamente a vacinação, dizendo que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”, e espalha suspeitas sobre efeitos colaterais do imunizante. Ao mesmo tempo, Bolsonaro e seu governo fazem forte campanha pelo uso de cloroquina.
No discurso de ontem, o presidente chegou a sugerir que a oposição ao uso da cloroquina contra a covid-19 é motivada por interesses comerciais dos laboratórios que produzem vacinas. “Por que não se investe em remédio? Porque é barato demais”, disse Bolsonaro.
Mas o pronunciamento delirante não parou aí. Bolsonaro insinuou, à sua maneira trôpega, que os chineses produziram o vírus em laboratório para ter ganhos econômicos: “É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou nasceu porque um ser humano ingeriu um animal inadequado. Mas está aí. Os militares sabem o que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra? Qual o país que mais cresceu o seu PIB? Não vou dizer para vocês”.
Ou seja: não contente em sabotar a vacinação e estimular o consumo de remédios sem eficácia, o presidente insiste em hostilizar a China, inventando uma mirabolante “guerra bacteriológica” que só existe nas postagens de lunáticos das redes sociais.
A histeria bolsonarista denota desespero. O presidente parece intuir que sua situação política ficará a cada dia mais insustentável diante da exposição pública, na CPI, das extravagâncias, todas fartamente documentadas, cometidas por seu governo ao longo da pandemia. E estamos apenas no segundo dia de depoimentos na comissão, que certamente ainda reservará muitos dissabores para o governo – especialmente quando o ex-ministro Eduardo Pazuello resolver dar o ar da graça.
Totalmente à mercê da insanidade das redes sociais, Bolsonaro imagina que o País se intimidará com seus arreganhos. Tornou a dizer que editará um decreto para restabelecer “a liberdade para poder trabalhar” e “nosso direito de ir e vir”, em referência às medidas de restrição adotadas em Estados e municípios. E acrescentou: “Se eu baixar um decreto, vai ser cumprido, não será contestado por nenhum tribunal”.
Bravatear é o que resta a Bolsonaro, já que seu governo, incompetente para conter a pandemia, foi igualmente incompetente para esvaziar a CPI. Sua única competência parece ser a de produzir provas contra si mesmo. Um presidente que, cobrado a usar máscara, diz que “já encheu o saco isso, pô”, como fez em seu discurso, não precisa de detratores.
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