O Poder Executivo vem sofrendo uma forte redução da sua capacidade de atuação como promotor do processo de desenvolvimento econômico do país. Desde a Constituinte muitos dos poderes quase imperiais dos tempos do presidencialismo militarizado foram derrubados por uma forte preocupação de se reequilibrar a correlação de forças com o Legislativo e o Judiciário. O sentido era o de se aumentar a margem de participação democrática no país, entendida como um aumento do poder dos partidos políticos.
Apesar disso, continuávamos em uma República de tipo presidencialista onde o executivo ainda tinha um peso desproporcional, quando comparamos o nosso caso com o de outros países presidencialistas democráticos. Com o tempo e a pulverização dos partidos políticos, passou a ser uma enorme dificuldade a construção de maiorias parlamentares. Isto coincidiu com uma perda significativa de conteúdo e de identidade dos partidos, com muitos deles se construindo sem qualquer programa ou proposta de projeto para o país.
As exceções a esta regra foram, por muito tempo, o PT e o PSDB. Ambos tinham projetos para o Brasil, um nacionalista/populista com espasmos de socialismo e outro neoliberal com espasmos social-democratas. Ambos se situaram no espectro político em oposição mútua radical, muito embora estivessem um no centro-esquerda e outro no centro-direita. É claro que havia um grupo de outros partidos mais definidos política e ideologicamente – PCdoB, Verde, PSOL, PSTU, PCO, PCB, UP –, mas com muito menos relevância. No poder, ambos os partidos tiveram que compor com o emaranhado de siglas sem conteúdo programático definido e que funcionavam cada vez mais como sanguessugas do Estado, buscando atender interesses individuais ou de bancadas temáticas. Tanto um como o outro tiveram que fazer concessões e distribuir benesses para grupos de lobby com representação no parlamento ou para senadores e deputados individualmente, cujo interesse específico é a mera reprodução de seus mandatos com recursos para suas bases eleitorais.
Este processo se intensificou com o golpe em Dilma Rousseff. O golpe mostrou ao Congresso sem norte e sem princípios que, como os personagens do Star Wars, eles tinham a força. E foram se apropriando de meios para dirigir os recursos do Estado para seus desígnios paroquiais. A fragilidade do governo do energúmeno a partir do momento em que teve que engolir as bravatas e ficou ameaçado por todos os lados o levou a uma total capitulação na relação com o que há de pior no parlamento, o chamado Centrão (na verdade um ultra-Direitão), que dá as cartas e comanda as duas casas.
No momento, o Centrão está no paraíso, dirigindo boa parte dos parcos recursos de investimento livre do executivo para seus projetos paroquiais e para cobrir os custos cada vez mais astronômicos das campanhas eleitorais. Por outro lado, a velha ocupação dos cargos por apaniguados se exacerbou, ao ponto do Centrão deter o controle da aplicação de R$ 150 bilhões em vários ministérios através de indicações de cunho político. Historicamente, estas indicações sempre foram sinônimo de uma ou todas das seguintes hipóteses: direcionamento de investimentos para bases específicas, independentemente de sua significância em um planejamento nacional; uso de organismos do Estado como cabides de emprego para cabos eleitorais; uso dos investimentos localizados para desvio de recursos; favorecimento de empresas privadas nas suas relações com o Estado, em troca, é claro, da velha propina.
O fato é que o orçamento público federal está travado por despesas impositivas, pelo teto de gastos e pelo uso dos poucos recursos disponíveis para os interesses menores de políticos. Quem ganhar as eleições, e eu creio e espero que seja o Lula, vai encontrar um Estado deteriorado, um orçamento amarrado e altamente insuficiente para as necessidades mínimas de um programa de salvação nacional. Vai ser preciso libertar o executivo dessas amarras. Não vai ser uma luta fácil pois tirar poderes do Centrão vai ser como tirar osso da boca de um pitbull, a não ser que a caterva que segue este bloco seja amplamente derrotada nas eleições para Câmara e Senado, junto com a derrota do seu aliado, o energúmeno, nas eleições presidenciais.
Teto de gastos é uma idiotice, uma jabuticaba que só se vê por aqui. Foi um artifício dos neoliberais na sua estratégia de paralisação do Estado para deixar que o mercado assumisse o poder sem intermediários. Ele não faz sentido, como já se viu na primeira emergência que teve que enfrentar, a pandemia de 2020. A questão não está em proibir o endividamento do Estado, mas em garantir que os empréstimos feitos pelo Estado possam ser pagos no futuro. Escolher bem os investimentos é mais importante do que ter saldos positivos no fim do ano e o país afundar em uma decadência econômico-social.
No Brasil sempre se fala em diminuir a carga fiscal, é um mantra dos neoliberais, mas o peso das isenções fiscais no orçamento da União é gigantesco e recompor a capacidade de investimento do Estado passa por suspender a grande maioria das renúncias fiscais concedidas por sucessivos governos, desde FHC, passando por Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro. Por outro lado, refazer totalmente a nossa estrutura tributária vai ser uma batalha fundamental para o presente e o futuro do país. Como todos sabem, há muito tempo, os pobres pagam mais do que os ricos, como porcentagem dos seus ingressos. Isto se deve ao predomínio dos impostos indiretos, incidindo sobre bens e serviços, em comparação com os impostos diretos, sobre a renda de cada brasileiro. No caso do IR, as formas pelas quais os mais ricos conseguem abater o que têm que pagar (sem falar nas formas de sonegação) asseguram que o grosso dos impostos recolhidos venham da classe média, cada dia mais empobrecida.
Discute-se cobrar imposto sobre as grandes fortunas e ele terá que ser adotado. Mas trata-se de um duplo movimento: cobrar uma taxa emergencial de 20% sobre a fortuna acumulada dos bilionários, de 10% sobre a dos milionários com valores superiores a R$ 100 milhões, de 5% sobre a dos milionários com valores acima dos R$ 10 milhões e 2% para os milionários com valores superiores a R$ 1 milhão. Estes serão os recursos para bancar as medidas emergenciais de um plano de salvação nacional, ao longo do primeiro ano de governo. O segundo movimento será o de alterar as alíquotas do Imposto de Renda, aumentando de 27,5 para 45% o imposto a ser pago pela camada mais rica, com renda (salários e outros ingressos) maior do que R$ 100 mil por mês, 35% para os que recebem mais do que R$ 50 mil e 27,5% para quem recebe mais do que R$ 30 mil. O piso da cobrança do IR deve ser o de três salários-mínimos e os valores cobrados a partir deste piso devem ser de 5% para rendas entre o piso e R$ 10 mil; 10% entre R$ 10 e 20 mil; e 20% entre R$ 20 e 30 mil.
Se isto parece arrancar o couro dos nossos lamentáveis ricaços quero lembrar que no coração do capitalismo, os EUA e a União Europeia, estas porcentagens são ainda mais altas e os grandes capitalistas do mundo estão fazendo manifestos para pedir que sejam cobrados mais impostos… deles mesmos. Lembro que estes impostos incidem sobre a totalidade da renda auferida, eliminando o privilégio atual que isenta o pagamento de dividendos e lucros de capital.
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