sexta-feira, 14 de julho de 2017

Reforma trabalhista espanhola faz cinco anos: uma geração de jovens desencantados

A espanhola Alba Nicolás (27 anos) formou-se em Publicidade e Relações Públicas em 2013. Ao concluir o curso, ela se mudou para Barcelona, onde fez uma especialização e depois uma pós-graduação. Lá começou a trabalhar como estagiária em empresa de marketing digital com um salário de 150 euros (cerca de 556 reais) por mês a título de “ajuda de transporte”. “Fui contratada para ser formada community manager, mas tudo o que aprendi foi por minha conta e na base da tentativa e erro. Tinha um tutor que corrigia o meu trabalho e o enviava ao cliente, mas ele nunca tinha tempo para me formar”, conta. Ela estava na empresa havia um ano e nove meses quando descobriu que não tinham pago a previdência social um único mês. Quando denunciou a empresa, seus chefes foram obrigados a oferecer-lhe um contrato permanente. “35 horas por semana, com um salário que continuava deixando muito a desejar e aguentando os maus modos no tratamento pessoal”. Nove meses depois, foi despedida.

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Alba é uma millennial, geração dos nascidos entre 1981 e 1994 e tinha 22 anos quando seu país aprovou uma reforma trabalhista que mudou a relação de trabalho entre as empresas e os funcionários —boa parte deles jovens como ela. E é justamente esta reforma, aprovada em 2012 na Espanha, que o Governo do presidente Michel Temer usa como principal referência para a sua proposta de reforma trabalhista, que votada nesta terça-feira pelo plenário do Senado. A geração de Alba representará 35% da força de trabalho global em 2020, de acordo com o Manpower Group.

O conceito de millennial tornou-se uma marca global. Deles se disse que são a geração mais preparada da história; que estão permanentemente conectados porque cresceram com a Internet e as novas tecnologias; que o dinheiro não é sua prioridade; que o que buscam são experiências motivadoras com as quais possam crescer; que preferem trabalhar em empresas comprometidas com o meio ambiente e a sociedade; que não querem ouvir e nem falar de um horário das 9h às 18h, mas de modelos flexíveis e por resultados; que são empreendedores; que entendem como ninguém a nova economia, porque a vivem em primeira pessoa como consumidores do Uber, Airbnb, Wallapop...

Com tais credenciais, o normal seria que as empresas brigassem por esse talento emergente. De fato, esse é o discurso que muitas delas fazem com insistência. Numa pesquisa feita em 2015 pela Deloitte sobre a Geração do Milênio, Barry Salzberg, seu CEO, exortou a comunidade empresarial dos mercados desenvolvidos a “identificar as mudanças que necessitam fazer para atrair e se comprometer com essa geração”. E advertiu: “Caso contrário, corre-se o risco de perdê-los e ficar para trás”. No entanto, as taxas de desemprego que assolam os jovens na Espanha, de aproximadamente 40% (e de cerca de 27% no Brasil), indicam que, pelo visto, não há tanta pressa para seduzi-los. E isso tem outras consequências sociais: a idade média de emancipação é 29 anos (quase dez anos a mais que os suecos), sua situação pessoal não tem nada a ver com a de seus pais quando estes tinham a mesma idade e a idade média em que as espanholas são mães passou de 28,2 anos em 1980 para 32,2 em 2014.
A reforma trabalhista espanhola prometia mais empregos o que, da fato, ocorreu. Entretanto, eles são mais precários

Juan María González-Anleo, professor de Sociologia da ESIC Business & Marketing School e autor do livro Generación Selfie, lembra que millennial é um conceito importado dos Estados Unidos. “Talvez nos países anglo-saxões ou na Alemanhase aposte mais decisivamente nesse talento, mas na Espanha as empresas não estão muito empenhadas”, lamenta. Ana Sarmiento, especialista em estratégias de trabalho para a geração do milênio está de acordo. “Muito poucas empresas sabem o que fazer com esses jovens. E o mais triste é que muito poucas estão interessadas em saber”. No máximo, continua, começam a se se interessar agora por sua faceta de consumidores para tentar fidelizá-los. “Mas os millennials não só consomem, também são uma nova geração de profissionais livres, abertos e digitais. E poucas organizações tiveram a ideia de tentar fidelizá-los também como empregados.

Antes de se tornar empreendedor, o espanhol Luis Alberto Santos (27 anos) ouviu muitas histórias nas entrevistas de emprego que a realidade logo desmentiu. “Horários flexíveis que na prática eram horários fixos, lugares em que é mal visto sair no horário, normas de segurança que só são cumpridas caso haja uma auditoria ou uma visita importante”, enumera. A lista dos horrores também se estende à gestão de talentos. “Muitas empresas enchem a boca com a promoção ou a carreira profissional. Mas nunca me perguntaram o que eu mais gosto, quais tarefas eu executo melhor ou como poderia desenvolver meu talento”.

O discurso das empresas, no entanto, geralmente é outro. São frequentes as proclamações lembrando que muito em breve essa geração estará no comando: os millennials são chamados para acabar com os estilos autoritários de liderança, para impulsionar um novo modelo de trabalho colaborativo e digital... Mas por enquanto a “chamada” que parece chegar a eles com mais nitidez é a de ir tentar a sorte no exterior. Conforme dados do Instituto Nacional de Estatística, no primeiro semestre de 2016 emigraram da Espanha 47.784 pessoas. Boa parte dessa diáspora é de millennials. “É muito triste que as conversas que escuto dos meus alunos quando saio para fumar nos intervalos tratem sobre se o Chile é um bom lugar para trabalhar ou se as condições no Reino Unido pioraram muito para os espanhóis por causa do Brexit”, comenta o professor González-Anleo.

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