
Por isso mesmo, o Executivo começa a colecionar derrotas, uma atrás da outra. E não adiantará, a essa altura, tentar melhorar suas condições junto ao Congresso, eis que a administração atravessa um ciclo de má avaliação. Mais de 65% desaprovam o governo. O fato é que o chamado presidencialismo de coalizão tem base movediça e gera instabilidade. O relacionamento do Executivo com os partidos é frágil. Trata-se de um contato ortodoxo, unilateral, sem reciprocidade. O maior partido da base, o PMDB, põe o dedo na ferida quando insiste em dizer: ser governo é uma coisa, estar no governo é outra.
A diferença entre ser e estar conduz aos fundamentos do “presidencialismo de coalizão”, ancorados em três pressupostos: a constituição pelos partidos de uma aliança eleitoral e sua união em torno de um programa mínimo; a formação do governo, a partir do preenchimento de cargos e compromissos com a plataforma política; e a transformação da aliança inicial em coalizão governativa. Ser governo é assumir responsabilidades nesses três momentos. Sob essa perspectiva, o governo deveria amalgamar os programas dos partidos, contemplando-os na operação administrativa de acordo com a sua respectiva densidade política no Congresso Nacional e observando a identidade e as vocações de cada um. Não é o que se vê na vida administrativa. A disparidade no atendimento das demandas partidárias abre contrariedades e forma emboscadas.
As disputas por espaços se acirram sob o leque do fisiologismo. Estar no governo, eis a noção, restringe-se à simples ocupação de cargos sem competência dos ocupantes para interferir em linhas programáticas. Tal visão gera indignação de elos da corrente governista. Em suma, o Executivo despreza a modelagem do “presidencialismo de coalizão” e se vale do poder do hiperpresidencialismo.
O Poder Executivo ganhou força com a Constituição federal de 1988, que dotou o governo de extraordinário instrumento legislativo (a medida provisória). Outros meios expandem o cacife presidencial: a adoção do regime de urgência na tramitação de projetos de lei, o mecanismo de votação simbólica de lei pelos líderes partidários, a legislação tributária centralizadora e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Com essa armação, o Palácio do Planalto passa a enquadrar as políticas do Estado em duas bandas: uma, com capacidade decisória sobre metas de câmbio, política de juros, cujos efeitos se fazem sentir nas políticas de emprego e renda; a outra, sem poder decisório central, repartida entre os apoiadores. Não por acaso, floresce no País um autoritarismo civil sem precedentes. O barão de Montesquieu, com seu sistema de pesos e contrapesos, fica apenas no registro necrológico.
Os sustos dos Executivos, exacerbados neste segundo mandato da presidente Dilma, demonstram que tal modelagem precisa de ajustes. O presidencialismo de coalizão, na forma atual, está saturado. A começar pela necessidade de aplicar o verbo ser em lugar do verbo estar. Ser governo e estar no governo. A tarefa é complexa. Exige realinhamento de ideário, desafio que pressupõe entendimento e plena aceitação do escopo do “presidencialismo de coalizão”. Sem essa condição, o que teremos é colisão, não coalizão.
A aprendizagem na cartilha da nova feição presidencialista demandará compromisso dos entes partidários com valores éticos e princípios morais, sem os quais os domínios administrativos se tornarão feudos de caciques e interesseiros. Posições transparentes, articulação das forças sociais para participar da formulação das políticas e calendário de implementação dos programas ajudariam a compor uma identidade governativa homogênea. Só não enxergam essa obviedade cegos políticos. Ou governantes autoritários.
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