quarta-feira, 19 de julho de 2017

Por que não sabemos quantos presos há no Brasil?

O Brasil tem uma das maiores populações carcerárias do mundo - e, atualmente, essa é um dos poucos dados conhecidos sobre o sistema penitenciário brasileiro, segundo especialistas. Isso porque, desde 2014, o Ministério da Justiça não divulga informações sobre a população dos presídios no país.

O Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, o Infopen, que trazia dados quantitativos (e alguns qualitativos) sobre o sistema foi criado em 2004 e era divulgado semestralmente. No entanto, desde dezembro de 2014, não houve qualquer atualização de dados.

A falta de informações vem à tona em situações como a violenta rebelião no presídio de Alcaçuz (região metropolitana de Natal). Mesmo seis meses após o massacre, o número de mortos ainda é incerto, porque as contas não fecham. O número oficial é de 26 vítimas, mas há 11 presos, segundo o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que estavam no presídio, mas não constam nem na lista de fugitivos, nem na de mortos e nem na de transferidos para outras penitenciárias.

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"No Rio Grande do Norte foi um diz-que-diz sobre quantidade de pessoas que morreram. Até hoje, a gente não sabe nem isso. Me lembrou uma coisa grave da época do massacre do Carandiru, que se fala em 111 pessoas mortas, mas pessoas que costumavam frequentar o presídio com regularidade falam que tinha muito mais. E a gente não sabe. Uma conta simples de quantas pessoas tinham, quantas ficaram", disse à BBC Isabel Figueiredo, ex-diretora da Secretaria Nacional de Segurança Pública de 2011 a 2014 e integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Questionado pela reportagem, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) afirmou que "as informações solicitadas não estão disponíveis no momento, pois as mesmas dependem da conclusão do levantamento estatístico correspondentes aos anos de 2015 e 2016, que ainda se encontra em andamento".

A BBC Brasil apurou, porém, que os dados dos últimos dois anos já teriam sido compilados e entregues ao Depen - o órgão, no entanto, ainda não divulgou as informações atualizadas. O departamento alega que um novo sistema está em implementação para o acesso aos dados.

"Está em vias de implantação uma ferramenta denominada SISDEPEN, Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional, na qual será possível o acesso às informações do Sistema Prisional tanto na sua forma quantitativa, conforme apresentada nos relatórios estatísticos atuais, como qualitativa, permitindo o cadastro das informações dos custodiados em caráter individual."
'Tiro no escuro'

Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, os dados do Infopen são necessários para a criação de políticas públicas para o sistema penitenciário, e a ausência deles faz com que ações pensadas neste contexto sejam "um tiro no escuro".

"A gente tem dados muito ruins da segurança pública no Brasil, tanto do Judiciário, quanto da parte penitenciária. Mas chama a atenção o retrocesso, porque a gente tinha regularidade na divulgação desses dados e ela se perdeu", afirmou Figueiredo.

"E o problema disso é que a gente navega no escuro, sem saber para onde está indo e com quem está lidando. O Depen estava numa mudança de método de coleta, mas o sistema estava praticamente pronto no ano passado já. Houve uma troca de equipe com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas essa equipe já está há mais de um ano aí. Já era para ter mostrado essas informações."

Segundo dados revelados há três anos, o Brasil tinha a quarta maior população carcerária do mundo, com mais de 622 mil pessoas em regime de prisão - sendo que 41% delas ainda aguardavam julgamento. O deficit de vagas do sistema à época já ultrapassava as 250,3 mil.

Para Valdirene Daufemback, que foi diretora de políticas penitenciárias do Depen até novembro do ano passado, "é fundamental ter informações para direcionar políticas públicas".

"Sem dados, a gestão pública, vai sempre atuar de maneira reativa, improvisada. As políticas não estão sendo planejadas a partir de informações fidedignas. Elas estão sendo ordenadas muito mais por providências que dão uma resposta imediatista, mas que não traz soluções a médio e longo prazo", afirmou.

Para especialistas, a falta de dados sobre as penitenciárias do país põe em questionamento, a eficácia do novo Plano Nacional de Segurança, lançado pelo governo após a sequência de massacres no início do ano no Norte e Nordeste, e de uma das principais medidas propostas pelo Ministério da Justiça à época: a construção de mais presídios.

"Sem ter os dados, você acaba percebendo o problema só quando está no meio da crise", observou Guaracy Mingardi, pesquisador em segurança pública, ex-subsecretário Nacional de segurança pública e ex-secretário de segurança de Guarulhos.

"E aí falam em construir mais presídio: é disso que gente precisa? Tudo bem, você parte do princípio que precisa mais, mas de que tipo? Onde? Qual é o estado mais problemático? Você precisa saber que tipo de preso você tem para poder alocar melhor o dinheiro, se não, você estará indo pelo impressionismo."

A ex-diretora do Depen ressalta ainda que, sem dados atualizados, é difícil avaliar se as políticas e soluções implementadas têm gerado resultado.

"Nossa resposta às crises têm sido o encarceramento em massa. Mas o encarceramento em massa tem tido efeito contrário, não está resolvendo. Só que sem dados, a gente não consegue ter resposta sobre qual seria a solução para o problema ou sobre o que já não está mais dando certo", afirmou Daufemback.

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