Nesta quinta-feira, a ida para a gaiola do ex-ministro Paulo Bernardo e a permanência no Senado de sua mulher Gleisi Hoffmann, protegida pelo foro privilegiado, conseguiram o que parecia impossível: separar um dos casais mais unidos do planeta. Eles moram juntos, militam juntos no PT, trabalharam juntos no ministério de Dilma Rousseff, entraram juntos no pântano do Petrolão e estão juntos na fase mais recente da Operação Lava Jato. Ainda que acabe condenada pelo Supremo, Gleisi não ficará junto com o marido. Infelizmente para o casal, no sistema carcerário brasileiro não existem cadeias mistas nem celas para casal.
Pensar no jeitão de pároco agnóstico de Paulo e em Gleisi caprichando na pose de última vestal me remete a uma longínqua madrugada em que ouvi o deputado federal Ulysses Guimarães descrevendo o comportamento das mulheres dos políticos de antigamente. Vale a pena reprisar o episódio ocorrido em setembro, durante a campanha para as eleições municipais de 1976. Eu era um repórter novato. Ele comandava o MDB, que o fim do bipartidarismo transformaria em PMDB. E era uma lenda em seu começo.
Nada a ver com essa cara de faraó, pensei enquanto olhava de soslaio o chapéu de palha que Ulysses, à minha esquerda no banco traseiro do Opala, usava desde o fim da tarde daquele sábado. Ganhara o chapéu em Itaquaquecetuba, um cortejo de vogais e consoantes nas fímbrias da Grande São Paulo que hospedara o quinto comício do dia. Cinco horas e dois palanques depois, o presente do eleitor anônimo continuava no mesmo lugar. Por que será?, estranhei.
“Presente de eleitor é coisa séria”, surpreendeu-me o aparte mediúnico. Fiquei espantado ao ouvir a voz grave e o timbre de cantor de cabaré. Aos 60 anos, Ulysses cumpria o sétimo mandato na Câmara dos Deputados (seria reeleito outras quatro vezes) e fazia coisas de que até Deus duvida. Mas nunca imaginei que adivinhava até pensamento. “O problema do político é a mulher do político”, mudou de assunto enquanto abria os olhos profundamente azuis e ajeitava no banco o corpo magro e rijo.
“O sujeito entra em casa no escuro, tira o sapato para não fazer barulho, mas não adianta: acaba ouvindo uma mulher sonolenta querendo saber como foi o dia”, continuou Ulysses. “O sujeito conta que almoçou com fulano ou encontrou beltrano e lá vem algum comentário do tipo ‘sei, aquele que você disse que é cafajeste’, ‘sim, esse que vive dizendo que você não presta’. Elas têm uma memória tremenda. Vereador de distrito, presidente da República, nenhum político escapa da mulher quando volta para casa”.
Era difícil imaginar Mora Guimarães, tão risonha e de poucas palavras, protagonizando cobranças noturnas ─ ainda mais endereçadas a um homem como Ulysses. Embora assumidamente apaixonado pelo poder (“Não existe nada mais afrodisíaco”, repetia), ele jamais vendera a alma para consegui-lo. Fora sempre exemplarmente honrado. E continuaria a sê-lo até 12 de outubro de 1992, quando desapareceu no mar depois da queda do helicóptero em que viajava com Mora e os amigos Severo e Henriqueta Gomes.
Como os políticos da linhagem a que Ulysses pertenceu, também sumiram as mulheres dos políticos orientadas por valores éticos ou morais. No Brasil envilecido pela Era da Canalhice, que institucionalizou a corrupção impune, quem se casa com um pai da pátria desce do altar convencida de que só é pecado perder a eleição e o poder. O resto pode, até vender a mãe a preço de custo. Já na lua-de-mel vira comparsa do marido, e comparsas não fazem perguntas. Já sabem as respostas, até porque são parte dela. E aprendem a ocultar safadezas praticadas em parceria.
Que Bonnie e Clyde, que nada. Esses dois míticos vilões popularizados pelo cinema parecem delinquentes principiantes quando confrontados com João Santana e Mônica Moura, por exemplo. Ou com Eduardo Cunha e Cláudia Cruz. Ou com Paulo Bernardo e Gleisi Hoffmann. E sobretudo com Lula e Marisa Letícia. Antes do advento da República de Curitiba, todos desfrutavam do sono dos sem-culpa, de gente desprovida de remorsos e do sentimento da vergonha. Algum dia estarão tentando dormir na cadeia — em celas separadas.
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