quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

O ano em que o Brasil nasceu

No sábado, 1º de janeiro de 2022, começa o ano do bicentenário do nascimento do Brasil. Parece pouca coisa, mas será uma oportunidade para pensar numa terra que resolveu andar para a frente com seus 4,7 milhões de habitantes. Nela viviam duas grandes figuras: o príncipe Dom Pedro, de 23 anos, e José Bonifácio de Andrada, de 59 anos.

Passados dois séculos, o país tem 213 milhões, convive com a cavalaria do atraso e, dia sim, dia não, é obrigado a conviver com o negacionismo e as batatadas do “coronel” Marcelo Queiroga e do capitão Jair Bolsonaro. Ninguém se livra do presente, mas o ano do bicentenário traz um refresco. Quem quiser, numa hora vaga, poderá entrar na máquina do tempo para reviver o grande ano de 1822. Por alguns minutos, graças à rede, voltará a um tempo em que o Brasil olhou para o futuro.


O ano começará no próximo dia 9 de janeiro, quando Dom Pedro desafiou Lisboa e decidiu ficar no Rio. É o tal Dia do Fico. Como previu a inglesa Maria Graham, que morava no Rio, ele foi “decisivo para o destino do Brasil”. (Um coronel português achava que levaria o príncipe para Portugal puxando-o pelas orelhas. Oito meses depois, Pedro separou o Brasil de Portugal, e o coronel virou asterisco.)

Dom Pedro é um dos grandes personagens do século XIX. Proclamou a Independência do Brasil e governou a nova nação até 1831. Voltou a Portugal, comandou uma revolta contra o irmão e colocou a filha no trono. Morreu de tuberculose aos 35 anos. Pegou fama de estroina e mulherengo, mas foi muito mais que isso. Julgá-lo pelo que fazia deitado equivale a julgar o americano Thomas Jefferson pelos filhos que teve com a escrava Sally Hemings. A Constituição que Dom Pedro outorgou em 1824 durou até 1891 e foi a mais duradoura da série.

Dom Pedro e José Bonifácio formaram uma grande dupla. Mais velho, Andrada costurou a rebeldia do príncipe. Em junho de 1822, o Brasil não existia como nação, mas Bonifácio criou uma Secretaria dos Negócios Estrangeiros, articulando-se no Prata, em Londres e em Viena. Enquanto Pedro pegou fama de mulherengo, Bonifácio, com seus cabelos brancos, ficou com uma aura austera. Filha natural, ele também tinha. O professor Delfim Netto diz que o desentendimento que os separou em 1823 foi o primeiro grande drama da história da nova nação. Andrada queria um governo forte, talvez forte demais, com seu horror à imprensa livre. (Há 200 anos circularam no Rio centenas de jornais, alguns com vidas breves.)

A geração de 1822 foi injustamente abafada. Sumiram figuras como o futuro marquês de Barbacena, que, de Londres, propunha a Bonifácio em maio o fim do tráfico (leia-se contrabando) de africanos escravizados. O Brasil só se livraria dessa bola de ferro em 1850, mas essa é outra história, a do atraso.

A máquina do tempo levará os curiosos de 2022 a um bonito momento. No mínimo, livrará os viajantes da mediocridade presente. Em agosto de 1822, Bonifácio redigiu um manifesto às nações amigas. Parece pouca coisa, mas vê-se seu tamanho quando se sabe que, passados dois séculos, sem motivo plausível, o Brasil encrencou com China, Estados Unidos, França e Chile, noves fora a má vontade com as vacinas, questão pacificada antes mesmo de 1822 pelo pai de Pedro. Dom João VI criou a Junta Vacínica para conter a varíola. Afinal, ela havia matado o seu irmão. Desde 1817, vacinavam-se crianças no Rio.

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