quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

A triste sensação de ser um país ignorado

Há um momento, na 3ª temporada da série de TV “Succession”, em que a família do magnata Logan Roy, interpretado por Brian Cox, discute o apoio a um candidato republicano à presidência dos Estados Unidos. No meio da conversa, a filha Shiv Roy (atriz Sarah Snook) lembra que o preferido da família era fascista e que, se eleito, a América correria o risco de se transformar em uma “f*** (palavrão) república russa, berlusconiana ou brasileira”.

A citação passa meio despercebida para quem não presta atenção no inglês, porque a legenda em português traduz “Brazilian” por “tupiniquim”. Mas essa passagem ilustra, de forma quase subliminar, a triste e vergonhosa imagem adquirida pelo Brasil no exterior nos últimos três anos.

Discorrendo sobre esse tema em artigo (21/11/21) na “Folha de S.Paulo”, Candido Bracher, ex-presidente do Itaú Unibanco, observa que a imagem do Brasil foi cruelmente retratada em um vídeo em que o presidente Jair Bolsonaro “aparece perdido entre os líderes do G20, [em Roma, no mês passado], perambulando pelo salão sem encontrar outra forma de aliviar seu isolamento que não fazendo graça com garçons, que sorriam constrangidos”.


Os Roy, família ficcional retratada em “Succession”, não são bons exemplos de empresários defensores da democracia e do estado de direito. Mas a citação “en passant” no seriado explicita a terrível sensação, também expressada por Bracher, de que o Brasil passou a ser não contestado, mas ignorado e desprezado pela comunidade internacional.

A esta altura do avançado descredenciamento brasileiro no cenário mundial seria útil que empresários, tanto quanto Bracher, entrassem no coro dos que defendem a democracia, o estado de direito e o real engajamento do país em pautas globais do século 21, como a ambiental e a da responsabilidade social. E que passassem a rechaçar firmemente, como outros setores da sociedade, ameaças veladas ou explícitas de ruptura institucional.

Infelizmente, durante a pandemia, a reação do empresariado, com poucas e honrosas exceções, tem sido omissa. Houve valorosas contribuições de empresas, pequenas e grandes, para atenuar os problemas sociais decorrentes da pandemia e do desemprego. Faltou, porém, uma ação institucional, de grupos empresariais e associações de classe, para ajudar a grande mídia e a sociedade em sua ação desesperada para contestar decisões negacionistas equivocadas do governo e do presidente da República: desestímulo ao uso de máscaras, incentivo a aglomerações, defesa da imunidade de rebanho e da cloroquina, rejeição a vacinas e outras maluquices que mancharam a imagem brasileira pelo mundo.

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A história recente traz lições importantes sobre esse tema. Em 3 de agosto de 1977, em plena ditadura militar, o empresário e então presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, José Papa Junior, foi aplaudido após elogiar o regime em discurso para 2 mil pessoas, a maioria empresários, no Jockey Clube de São Paulo.

Meses antes, Papa Junior havia enviado telegrama ao então presidente da República, general Ernesto Geisel, parabenizando-o pelo “Pacote de Abril”, aquele que fechou o Congresso e criou a figura dos senadores biônicos, escolhidos por um colégio eleitoral constituído por deputados das assembleias estaduais e por delegados das câmaras municipais. O objetivo do pacote era claramente o de garantir à Arena, partido do governo, o controle do Congresso após as eleições previstas para 1978, o que de outra forma parecia impossível depois de fragorosa derrota eleitoral sofrida pelo partido oficial quatro anos antes.

Laerte Setúbal Filho (1926-2015), então diretor da Duratex e da Fiesp, ficou furioso com aquele apoio ao pacote antidemocrático manifestado no evento do Jockey. E criticou seus pares. Disse que os empresários estavam satisfeitos e acomodados, porque o sistema lhes proporcionava uma série de regalias, como a proibição de greves de trabalhadores.

A fala de Setúbal Filho era um “trailer” do movimento que seria lançado um ano depois, liderado por Antônio Ermírio de Moraes e mais sete grandes empresários [Cláudio Bardella, Jorge Gerdau, José Mindlin, Laerte Setúbal Filho, Paulo Vellinho, Paulo Villares e Severo Gomes], pedindo a redemocratização do país.

No contexto do regime ditatorial que torturava e matava opositores, o “Manifesto dos Oito”, como foi chamado, era atitude de extrema coragem. Marcava o fim de um longo período de omissão/apoio da classe empresarial em relação ao regime ditatorial. O empresariado era majoritariamente democrático. Naquele momento de 1978, porém, decidiu que não bastava ser democrático, precisava dizer que era, com todas as letras.

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Se o tema é imagem do Brasil, vale relembrar uma antiga anedota contada pelo escritor e poeta paraibano Ariano Suassuna (1927-2014). Um belo dia, o presidente do Brasil foi à Europa e lá decidiu fazer uma viagem de trem da Espanha para a França. No mesmo vagão estavam Pablo Picasso e Igor Stravinsky.

Quando o trem chegou à fronteira da França, os três estavam sem documentos e foram detidos pelas autoridades. Picasso foi chamado e pediu para ser liberado, apresentando-se como o grande pintor espanhol. “Então prove”, disse o policial. Picasso pediu lápis e papel e desenhou rapidamente uma tourada. “Ah, é você mesmo, pode seguir”, afirmou o policial.

Em seguida, chamou outro detido, que disse ser o grande compositor russo Igor Stravinsky e, para provar sua identidade, riscou uma pauta com os primeiros acordes da Suite Petrushka. “Sim, você é o compositor, pode passar”, disse o policial.

Chamou então o que se dizia presidente do Brasil. “Como o senhor pode provar sua identidade?”, perguntou. O presidente se sentou numa cadeira, pensou uns dez minutos e concluiu: “Não me ocorre nada”. E o policial chamou imediatamente o assistente: “Tudo bem, pode liberar. É ele mesmo”.

Relembrando, antes que venham xingamentos, a anedota é de Ariano Suassuna, grande contador de “causos”, e se refere aos piores tempos da ditadura de 1964, quando a imagem do Brasil no exterior era péssima. Contavam-se muitas piadas de presidentes militares em rodas de amigos, já que era extremamente perigoso caçoar deles publicamente.

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