Desafio aceito, o colunista transferiu a pergunta a 14 economistas não ortodoxos, chamados ora de heterodoxos, ora de progressistas, estruturalistas ou keynesianos. Dez responderam. A maioria deles aparece pouco na grande mídia. Quase todos são acadêmicos e não ligados ao mercado financeiro, mas costumam ser os mais críticos da atual política econômica. Por isso, pareceu interessante descobrir se enxergam algo de positivo para o ano que começa sábado.
A pergunta foi direta: Poderia fazer previsão de uma coisa boa que deverá acontecer na economia brasileira em 2022? José Luiz Oreiro, da UnB, crítico feroz da política econômica neoliberal, respondeu de pronto, mas fugiu da macroeconomia. Disse que não deve haver racionamento de energia elétrica em 2022, porque as chuvas até o fim de novembro vieram quase 50% acima da média histórica. Isso deve levar a uma redução da bandeira tarifária. “É a única coisa boa que consigo esperar com algum grau de confiança. Todo o resto é chute”, disse.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda e professor da FGV, preferiu enfoque político: “A melhor coisa prevista para 2022 na área econômica é a derrota de Jair Bolsonaro nas eleições”. Além disso, sugeriu que seria ótimo que os empresários brasileiros de ponta, como Horácio Lafer Piva, Pedro Wongtschowski e Pedro Passos, repensassem o Brasil. Compreendessem que o neoliberalismo, dominante no mundo desde 1980, começou a morrer em 2008 e morreu com a covid-19 e o governo Joe Biden. E que a alternativa é o desenvolvimentismo com o controle fiscal e a rejeição dos déficits em conta corrente que apreciam o câmbio e inviabilizam a indústria.
André Lara Resende, ex- BNDES, declinou da tarefa: “Já não gosto de fazer previsões, mas prever alguma coisa boa, com tanta incompetência na economia e irresponsabilidade na política, fica difícil”. Carmem Feijó, da UFF, também disse não conseguir antecipar nada de bom. “Não nos recuperamos da recessão de 2015-2016 pela insistência no receituário neoliberal, hoje anacrônico. Sem recuperação econômica, o conflito distributivo se acirra. E ainda estamos aumentando o desmatamento, que pode chegar a um nível irreversível. Num horizonte curto ou longo de tempo, estou pessimista.”
Luis Carlos Magalhães, do Ipea, fez um e-mail com quatro pontos, mas não previu nada de bom. Apenas relatou condições adversas para sugerir que a economia brasileira “continuará em coma no ano que vem”: pandemia, pressão inflacionária, alta de juros aqui e nos EUA, elevação da dívida pública, deterioração fiscal e redução de exportações. “Keynes, se ressuscitado, iria ficar estarrecido com o grau de incerteza do mundo atual”, observou.
Fernando Ferrari, professor da UFRGS, disse que as exportações líquidas, variável de “fôlego” do PIB, devem ser a notícia “boa” do ano se o cenário internacional for favorável e o agronegócio não tiver outro revés. Mas sua visão geral é pessimista, com desemprego elevado, juros altos, incerteza política, ociosidade do capital e postergação de investimentos. “Enquanto perdurarem a agenda de Estado mínimo, reformas pró-mercado e o modus operandi da ‘austeridade fiscal expansionista’, é pouco provável que saiamos da estagnação que há muito tempo nos acompanha.”
Lauro Gonzales, da FGV-SP, disse que o provável arrefecimento da inflação pode ser um fato positivo, porque afeta diretamente o bolso dos pobres. A inflação vai cair, segundo ele, porque serão menores os descompassos entre oferta e demanda e a desorganização das cadeias produtivas.
Adalmir Marquetti, da PUC-RS, bem-humorado, observou que uma boa notícia para 2022 é “o Valor estar aberto para economistas não ortodoxos em uma das maiores crises da história do Brasil”. Lembrou que a economia brasileira completou quatro décadas de quase estagnação: a taxa anual de crescimento caiu de 7,3%, entre 1950 e 1980, para 2,2% de 1980 a 2020; o poder de compra do PIB per capita real em 2021 será similar ao de 2010. Um ponto positivo de 2022, previu, é que a eleição deve promover um debate fundamental sobre a retomada do crescimento brasileiro e possibilitar políticas públicas que se oponham a medidas de caráter neoliberal. Além disso, disse, devemos ter o fim da pandemia com a retomada da economia no modo usual, havendo redução da pressão inflacionária e aumento do emprego no setor de serviços. O pagamento do Auxílio Brasil de R$ 400 também ajudará no combate à pobreza, afirmou.
Luiz Fernando de Paula, da UFRJ, disse que a melhor coisa que pode acontecer em 2022 é Bolsonaro perder a eleição, porque mudará o comando econômico que tem “visão completamente ultrapassada”, sem agenda para crescimento, estabilidade de preços e distribuição de renda. “Acredita-se que a simples manutenção do teto dos gastos combinada com reformas liberais vai despertar a ‘fada da confiança’, acelerando investimentos privados e crescimento.” Ele entende que vivemos um “thatcherismo tupiniquim” que não está entregando nada em termos econômicos. E acha “impressionante” como a elite empresarial tem uma visão tão curtoprazista ao apoiar essa política. Porque o resultado é desindustrialização, queda da parcela de salários na renda e precarização no mercado de trabalho com aumento da informalidade e baixa produtividade. “É um projeto de o Brasil se tornar uma grande fazenda, destino trágico para o país.”
Rosa Maria Marques, da PUC-SP, jurou ter procurado com lupa e não ter visto nenhuma perspectiva de melhora. Disse que vão persistir os problemas de desemprego, inflação e queda da renda. E que a recessão técnica e a alta dos juros vão inibir fortemente a atividade produtiva, favorecendo os detentores da dívida pública. “A isso se somam as incertezas com relação à evolução da covid-19. Embora a vacinação tenha avançado, registra enormes desigualdades entre os Estados, o que pode favorecer o surgimento de outras variantes e comprometer a imunização alcançada.”
Dito isso, o único consolo é que economistas, de todas as tendências, erram muito. Feliz ano novo.
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