sexta-feira, 29 de abril de 2022

Em Portugal, a coragem da serenidade

Com muita inveja cívica, comemorei na Avenida da Liberdade os 50 anos da Revolução dos Cravos, que libertou Portugal de 40 anos da ditadura fascista e obscurantista de Salazar, que censurou, prendeu, torturou, matou e aterrorizou com sua polícia secreta, parando o país no tempo do medo, do atraso e da pobreza.

É o feriado mais importante de Portugal, a data mais querida de sua História, que celebra uma revolução sem uma gota de sangue, marcada pela coragem, serenidade e autoridade moral do capitão Salgueiro Maia, adorado pela tropa, e uma nova geração de capitães cansados de matar pretos e morrer nas inúteis e injustas guerras coloniais na África, que planejam depor uma ditadura que calava, torturava e matava opositores. Salgueiro liderou uma coluna de blindados de Santarém a Lisboa e enfrentou, literalmente, de peito aberto os tanques do governo e um general boçal e violento.

Foi como uma cena de duelo de faroeste. Numa rua de Lisboa, uma pequena coluna de blindados e soldados rebeldes fica cara a cara com os tanques do governo, separados por 50 passos e um tempo tecido a tensão e medo. Salgueiro desce do blindado, põe seu fuzil no chão, e com um lenço branco na mão caminha lentamente em direção ao general que grita ameaças e palavrões, dá ordens de prisão e tiros para o alto.

Com serenidade, Salgueiro tenta dialogar para um final pacífico de uma guerra que a ditadura já perdeu, pela adesão maciça de outros capitães e suas tropas, e, à medida que as noticias se espalham, pela população que desobedece às ordens de ficar em casa e vai para as ruas.

O general ordena abrir fogo contra Salgueiro, mas ninguém obedece, seus soldados abandonam os tanques e percorrem a rua para se unir aos rebeldes, deixando-o sozinho à frente dos tanques vazios e do ridículo.

O povo vai para as ruas aplaudir e agradecer os capitães e soldados libertadores com beijos e flores. Cravos vermelhos no cano de fuzis, na boca de canhões e no peito de soldados se tornaram o eterno símbolo de uma revolução sem tiros e sem sangue.

A velha, viciada e violenta elite militar salazarista fica isolada nos palácios com os bispos e arcebispos da Igreja Católica, os banqueiros e os políticos governistas, enquanto os rebeldes tomam os quartéis e as ruas. As tropas de Salgueiro cercam o palácio do governo e ele vai, com respeito e serenidade, dar o ultimato ao presidente Marcelo Caetano.

Tiros, mortos e feridos, só quando agentes da PIDE, a abjeta polícia secreta, entrincheirados em sua sede, abriram fogo contra a multidão que os cercava. Pouco depois, as tropas dos capitães arrombavam os portões do prédio mais odiado de Portugal e os espiões, torturadores e assassinos fugiam por saídas secretas e eram caçados como ratos nas ruas de Lisboa.

O momento mais emocionante é a invasão do presídio e a libertação dos presos políticos que correm para os braços de suas famílias.

Foi a vitória da coragem e da serenidade contra a violência e o ódio.

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