Em duas oportunidades o presidente, de viva voz, instou as Forças Armadas a continuar a questionar a transparência da votação eletrônica, sempre “embasando” seu clamor em informações falsas.
Numa solenidade por si só já eivada de caráter golpista, em que Bolsonaro e apoiadores fizeram uma espécie de desagravo a Daniel Silveira, o presidente colocou explicitamente em dúvida a realização das eleições caso fatos “anormais” ocorram. Os únicos fatos anormais que ameaçam a realização do pleito são as investidas sistemáticas do presidente da República contra a Justiça Eleitoral.
Ele chegou ao disparate de dizer que a sala-cofre do Tribunal Superior Eleitoral, malandramente chamada por ele de “secreta”, para dar a ela ares de conspiração, seria um local onde algumas pessoas decidem quem vencerá a eleição!
Não há mais um limite sequer entre o que sai da boca do presidente e o que dá na sua telha. Fatos, liturgia do cargo, responsabilidade com o país e a institucionalidade foram mandados às favas. Bolsonaro já nem finge que governa. Respira, almoça, janta e dorme agindo para tumultuar o ambiente político e institucional do Brasil e para a tentativa de se reeleger.
Na live desta quinta-feira, ele fez uma espécie de pot-pourri de todas as suas aleivosias: defendeu que histórico de atleta previne Covid-19, lançou dúvidas sobre a eficácia das vacinas sem nenhuma evidência e louvou sua proximidade com Vladimir Putin, dois meses depois da guerra sangrenta que ele empreende na Ucrânia.
Mas é sempre à contestação ao Judiciário, e à Justiça Eleitoral especialmente, que ele dedica mais tempo. Bolsonaro foi além do discurso da véspera e disse que as Forças Armadas “devem continuar trabalhando para convencer o TSE” a aceitar supostas modificações técnicas sugeridas por elas e a fazer uma apuração paralela dos votos.
Não existem sugestões feitas pelos militares que tenham sido tecnicamente validadas. Nos últimos meses, o TSE ampliou muito as formas de auditar as urnas eletrônicas. Informações foram prestadas aos militares e aos partidos políticos, especialistas foram chamados a analisar por dentro os mecanismos de votação. Não há nenhuma previsão constitucional, lei ou norma que preveja que as Forças Armadas devam ter qualquer papel na contagem de votos e na proclamação do resultado das eleições no Brasil.
O que Bolsonaro será capaz de fazer para forçar a barra nessa evidente, cristalina orientação dos militares para tensionar o ambiente eleitoral no país?
O ministro Luiz Ramos já havia dado a letra do samba de que eles avançariam na tentativa de envolver as Forças Armadas no processo eleitoral quando disse, em resposta a Barroso, que as eleições são tema concernente à soberania nacional. Ora, e em que a realização de eleições seguras e limpas, realizadas por urnas eletrônicas desde 1996, põe em risco a soberania nacional? Trata-se de mais um ingrediente perigoso, deletério para incendiar um debate que, por obra e graça do chefe do Executivo, já está por demais envenenado.
Tudo isso é de uma gravidade absoluta. O fantasma da leitura golpista do Artigo 142 da Constituição como pretexto a uma “solução militar” para a desvantagem de Bolsonaro nas pesquisas já está em curso. Ou as Forças Armadas se arvoram de sua missão constitucional — e se dissociam de forma clara e inequívoca dessa escalada de enfraquecimento da democracia — ou tratarão de, também elas, demonstrar que Barroso estava mais do que certo.
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