Nem o Carnaval é capaz de melhorar esse estado de espírito. O desconforto é diversificado, pode-se fazer a pesquisa em diferentes universos que ora irão cravar o desemprego como o maior problema do país, outro momento será o da corrupção, ora é a saúde que, em qualquer nível, esfera administrativa ou partido na gestão é o que arrefece o entusiasmo com a vida de todo cidadão responsável. Há enquetes que mostram grupos numerosos preocupados com transporte, outras revelam terror com a ausência das obras de infraestrutura que poderiam conter os desastres naturais mas as providência para evitá-los não aparecem antes. E como a presença do governo na vida do cidadão é por aqui sufocante, a responsabilidade por todos os males, omissão e ação, é mesmo do governo. No caso do governo Dilma, omissão, pois a paralisia é total.
O professor Delfim Netto fez uma boa síntese em entrevista à jornalista Claudia Safatle, publicada no Valor de segunda-feira: não existe presidencialismo sem presidente. Já havia ele próprio, em manifestações anteriores, destacado a falta de protagonismo de Dilma Rousseff. Eufemismos. Aconselhou-a a assumir sua responsabilidade, mas o fez por vias tortas. Sugeriu que ela coloque o Congresso contra a parede exigindo que aprove reformas de fundo ou assuma a culpa pelo caos.
Jogar a responsabilidade de governo sobre o Congresso é só o que este governo tem feito, desde sempre. Embora esteja com o principal partido da aliança que o sustenta, o PT, o confronto das ideias de reforma sugeridas por Delfim. Pode ser a técnica da psicologia de dizer a ela para agir mesmo que seja para por peso nas costas do próximo.
A presidente passou pelo espasmo das providências com relação ao desastre ambiental que atingiu várias cidades de Minas, passou pelo espasmo das providências de combate ao Aedes aegypti, a maior vergonha nacional e o maior risco à população no momento, e agora se prepara para enfrentar outro espasmo de ação, o da ressurreição do Conselhão, de cuja eficácia o Brasil está livre desde sua gênese. Como um conselho de 80 pessoas nada resolve, já se pode prever, por exemplo, o resultado de sua primeira reunião, na quinta-feira. Dilma encontrou-se com oito ministros de Estado, ontem, para preparar medidas a serem anunciadas aos ilustres integrantes do grupo, entre elas a retomada do crédito como motor do crescimento. De novo. Além de outras que também acha o governo que vale a pena reiterar, reiterar, reiterar.
Em contrapartida espera ouvir dos conselheiros o apoio ao governo na sua campanha para aprovar a CPMF no Congresso e levar adiante a reforma da Previdência. Dilma não tem demonstrado força nem criatividade para sair do redemoinho.
Sabe que o impeachment acabou, mas no lugar da guerra que travava para se manter no cargo a presidente não tem o que colocar.
Não há também mais a disputa Nelson Barbosa versus ministro da Fazenda, vez que ele assumiu o posto de seu próprio freguês de contendas. Então, em lugar de apresentar novas armas, será mais um para voltar seus mísseis ao Congresso.
No meio desse nevoeiro, a presidente está sempre perplexa: com o FMI, com a corrupção, com seus assessores diretos envolvidos em suspeita de irregularidades nos processos correntes, com o desleixo do governo, com a falta de iniciativas que tirem o país do ciclo de calamidades.
Agora deve estar estarrecida, um estágio mais avançado do que perplexa, com seu ministro da Saúde, de uma franqueza desconcertante, que diz, como a OMS, que estamos perdendo a guerra para o mosquito Aedes aegypti, e numa nova versão do dito malufista "estupra mas não mata", disse que torce para que as mulheres peguem a doença que provoca microcefalia antes de engravidar.
Esse ministro da Saúde, porém, é o de menos. Ele entrou em outubro para a história do Brasil, ao ingressar no governo quando a dengue, a zika e a chikungunya já eram epidemia. Nos governos Lula e Dilma o PT colocou na Saúde seus ministros politicamente mais fortes. Alexandre Padilha de lá saiu para disputar o governo de São Paulo; Humberto Costa foi enfrentar Eduardo Campos em Pernambuco, e hoje é senador que volta e meia assume a liderança dos interesses do governo; e o último, Arthur Chioro, o mais enraizado no partido, que ampliou os tentáculos petistas pelo ministério inteiro, fazendo uma administração por conferências e assembleias, foi provavelmente o mais inerte.
Se for possível deixar o pensamento dar um voo daqui para trás, não é possível deter a atenção em uma única providência inovadora, séria, competente para resolver o dramático problema da saúde. Para um único Mais Médicos, há centenas de redes falidas de atendimento à saúde como a do Rio e a de Brasília.
O futuro que se vem desenhando também não é atraente. Procura-se uma ideia de Ciro Gomes, por exemplo, o último candidato a presidente lançado esta semana, um único plano ou medida para o governo do Brasil, e não se acha; procura-se um caminho apontado por Dilma para a Petrobras, em que é especialista, sair do buraco onde a jogaram, e não se vê; procura-se uma fonte de recursos para o governo meter a mão que não seja o FGTS, uma espécie de fundo de pensão dos novos tempos a sofrer sangria, não há. Passado, presente e futuro sem perspectiva.
Encurralado pelas denúncias e suspeitas, processos e delações, Lula resolveu cuidar da vida, da sobrevivência política, das campanhas eleitorais, e deve parar de ficar tutelando Dilma a cada nova rodada de crise. Só Dilma pode libertar seu governo das algemas.
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