domingo, 7 de fevereiro de 2016

O Carnaval da política

Do jeito e no ritmo que as coisas andam no Brasil temos a impressão nítida de que esses tempos de modorra das festas momescas nada mais são do que a própria expressão de nossa experiência histórica. Como tudo foi sempre lento entre nós, os eventos se arrastam mais do que os seus congêneres em outras nações. Para além da tradição dos três dias, tanto do Carnevale veneziano como do Mardi Gras francês, nossa farra se estica por mais de uma semana obediente à tradição secular de indolência de enforcar os dias, senão os meses, como nos abusivos recessos dos poderes legislativo e judiciário. Temos sido sempre um dos últimos países, seja para declarar a independência, seja para abolir a escravidão. Ou mesmo para se constituir, se democratizar, industrializar, estabilizar a moeda, privatizar estatais ineficientes, abrir e internacionalizar a economia e agora, nosso maior desafio, para reformar as instituições políticas e moralizar a gestão pública. Pois, já era sem tempo! Diante da abertura comercial recém-pactuada entre países do Pacífico e reformas econômicas bem sucedidas de nossos vizinhos latino-americanos como México, Peru, Chile, e agora também da Argentina, ainda nos delongamos em discussões ideológicas anacrônicas ao pé do abismo esquerdista da Bolívia, Venezuela e Cuba. Como demoramos a passar as páginas da história!

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É lenta a formação de um consenso sobre a ingovernabilidade do país sob as rédeas de um partido desmoralizado pela opinião pública, abandonado pelos seus membros históricos e mais honrados e integralmente deslegitimado no poder pelas investigações da Lava-jato e suas conexões com o processo eleitoral. Como bem afirmou o deputado Raul Jungmann: “se a política não resolve a crise, a crise resolverá a política”. O que é mal, muito mal, por não sabermos o tamanho do prejuízo a ser assumido por todos os cidadãos brasileiros e seus pósteros. Quantas décadas de retrocesso teremos de experimentar, seja qual for o parâmetro de avaliação entre os países da comunidade mundial? O quanto vamos contribuir para jogar a economia mundial pra baixo, assumindo de vez a vanguarda do atraso entre todos os países submergentes? O quanto poderemos suportar com mais dois anos de depressão, dez milhões de desempregados e a inflação crescente, crise na saúde pública e na segurança a um só tempo? Quando então enfrentaremos a paralisia de nossa iniciativa política e emendaremos as marchinhas satíricas dos blocos de rua com as marchas de protesto contra políticos e magistrados irresponsáveis. O fato novo é que não estamos mais a achar graça na delinquência sanguinária da bandidagem comum assim como nas quadrilhas de colarinho branco de mensaleiros e petroleiros. Começa a cair a ficha de que a história esgotou a farsa de sua repetição e a tragédia em que nos metemos, enfim, nos empurrará para um destino, se não melhor, pelo menos diferente daquele de que estamos fartos de conhecer. Mas resta a pergunta: até onde pretendemos maníacamente destruir nossas realizações para mudar o rumo de nossa cultura política?

Na verdade vivemos em processo de expiação de uma grande culpa coletiva, na euforia do porre de cidadania pela recém-conquistada redemocratização dos anos oitenta, quando cometemos o irresponsável erro de ter mitificado um líder sindicalista como candidato a estadista nacional. Ou como “nosso guia” na irônica expressão do jornalista Elio Gaspari. Estamos em processo de catarse coletiva ou, para os mais folclóricos, em plena pajelança por termos todos nos enganado tanto. Se a vergonha da goleada da Copa foi um prenúncio do tombo nacional, o país ainda não caiu em si pelo desastre que se aproxima. Rebolamos na beira do precipício, atraídos pela mórbida adrenalina de despencar para a morte como preferiu Zumbi. Como nos ensina nosso livre-pensador Millôr Fernandes sobre o valor da liberdade: se não morremos por ela, a conspurcamos com a libertinagem. Pois só achamos que nossa liberdade começa quando acabamos com a do próximo.

Rompemos com a moral vigente do carnaval “estendido”, onde as pequenas transgressões do dia-a-dia não são cobradas pelo dever cívico que não aprendemos em casa ou na escola, para não enfrentar a grande ruptura política que a modernidade nos exige. Conquistamos nas últimas décadas excelências em todas as áreas da expressão cultural de um povo. Das artes, esportes, engenharias e medicinas. Mas numa única não avançamos nada: na cultura política que nos joga todos irremediavelmente pra baixo, derrubando todas nossas conquistas setoriais. Pois a política é a atividade de maior abrangência social do homem e tem o dom de contaminar todas as demais.

Se nos enganamos tão redondamente quando colocamos o Lula lá, talvez pela fantasia romântica de experimentar um novo paradigma da cultura política, chegou a hora de não mais estender esta lição que nos tem custado tão caro. Espero que tenhamos todos aprendido a não mais tentar a heterodoxia, não apenas na economia, mas sobretudo na política. Se Lula significou a esperança vencendo o medo, como lembrou de maneira magistral a ministra Cármen Lúcia no julgamento do mensalão: “não podemos permitir que o cinismo venha a vencer o medo, e agora o escárnio venha a vencer o cinismo”. Se não podemos contar com parte de nossas “elites” que persiste em corromper mandatos e agentes públicos, temos de apostar em parcelas cada vez maiores de cidadãos e cidadãs que resolveram se manifestar nas ruas, nas redes sociais e nas poucas brechas que lhes restam da grande mídia. Sobretudo por parte de jornalistas já cansados do noticiário repetitivo e sensacionalista da política profissional e mais esperançosos e dedicados ao jornalismo cívico. Se somos vinte milhões de cidadãos e cidadãs a recusar a cada uma das últimas eleições que a nobre arte da política seja corrompida pela tentação demagógica da marquetagem eleitoral, com certeza este capital da nova cultura política se compõe de dez a vinte por cento de formadores de opinião e mobilizadores sociais. Por isso é que há dois anos venho investindo no que temos identificado como Agentes de Cidadania, cidadãos e cidadãs que, embora ainda invisíveis na grande mídia, se dedicam em mais de três mil organizações sociais, movimentos e associações civis à árdua luta contra a corrupção, pela transparência da gestão pública e fiscalização de mandatos políticos, orçamentos e desempenho de instituições públicas. Assista a nosso vídeo de lançamento do programa em plena eclosão das manifestações de 2013.

E divirtam-se bastante neste carnaval da libertinagem política. Pois muito em breve teremos de trabalhar duro, os cidadãos engajados em libertar a política da delinquência dos políticos

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