quarta-feira, 21 de março de 2018

Descendo a rampa

Michel Temer atravessou a maior parte dos seus 77 anos de vida dedicado a uma discreta sobrevivência na atividade política. Nas últimas 32 semanas, porém, revelou-se exuberante protagonista em meia dúzia de devassas judiciais - um caso de corrupção nas páginas do Diário da Justiça a cada 35 dias, na média dos últimos oito meses. Entre as múltiplas suspeitas, destacam-se: 1) Integrar um grupo, com outros 11 da cúpula do PMDB, acusado de tomar dinheiro de empresários em troca de privilégios em negócios com Petrobras, Furnas e Caixa;

2) ser o destinatário da mala com R$ 500 mil da J&F portada pelo seu antigo assessor Rodrigo

Rocha Loures flagrado na noite paulistana;

3) obstruir a Justiça no inquérito sobre R$ 587 milhões que o grupo J&F teria repassado a ele e aos ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco;

4) obter R$ 10 milhões em dádivas do departamento de propinas da Odebrecht;

5) participar de fraude para disfarçar a origem ilegal de R$ 112 milhões registrados pela chapa Dilma-Temer como doações eleitorais legítimas na campanha presidencial de 2014;

6) receber benesses por um decreto (nº 9048/ 2017) que afetou empresas vinculadas à Associação Brasileira de Terminais Portuários, entre elas Libra e Rodrimar, no Porto de Santos.

Resultado de imagem para Temer e a faixa charge
Temer é caso raro de presidente investigado durante o mandato. Ano passado, submergia abraçado a Dilma num oceano de provas, quando foi resgatado pelo juiz Gilmar Mendes, que julgou ser preferível "pagar o preço de um governo ruim e mal escolhido do que uma instabilidade no sistema". Na sequência, sobreviveu a duas votações na Câmara, garantindo sua imunidade até o final do mandato.

Agora, já não consegue dissimular o dissabor da incriminação em escala. Assumiu o papel de perseguido e avalizou uma escalada de ataques contra delegados, procuradores e juízes. Conseguiu aumentar a percepção no Congresso de que avança para um epílogo em desalento.

Professor de Direito Constitucional, arriscou-se em manobra com outro decreto (nº 9.246/17), que flexibilizou o indulto presidencial muito além do que havia feito Dilma em benefício de condenados no mensalão.

"Sem razão específica", notou a Procuradoria-Geral, Temer violou a separação de Poderes e ampliou o perdão de forma seletiva e desproporcional. Dispensou corruptos e corruptores do cumprimento de 80% da pena estabelecida e extinguiu sanções financeiras.

Na visão da procuradoria, ratificada em decisões de dois juízes do Supremo, o presidente criou "um cenário de impunidade no país". E transformou o processo penal em algo menor: "Está tudo perdoado, independentemente do que o Judiciário venha a dizer."

Temer busca alternativas para os dias seguintes à descida da rampa do Planalto. Sem foro privilegiado, sua perspectiva é a do juízo de primeira instância - "e isso obviamente é preocupante", lembrou seu advogado aos repórteres Fausto Macedo e Eduardo Kattah.

O 1º de janeiro de 2019 é chave para se entender o enredo em curso sobre perdão de 80% da pena, garantia de foro privilegiado e revisão da prisão em segunda instância. É o horizonte do amálgama de interesses do trio Temer, Lula, Dilma e de outros 552 denunciados - por ação ou omissão - na roubalheira exposta nesses quatro anos da Operação Lava-Jato.

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