Villas-Bôas Corrêa, o velho repórter que morreu em dezembro, nunca engoliu a transferência da capital para Brasília. Veterano da cobertura política no Rio, dizia que a mudança cortou os laços entre os políticos e a vida real do país. No livro “Conversa com a Memória” (Objetiva, 2002), ele lembra os tempos em que a classe dirigente era vigiada de perto. O Congresso funcionava de segunda a sexta, e os cariocas lotavam a Câmara e o Senado para acompanhar os debates.
“A presença espontânea de populares, a participação do que se podia qualificar como opinião pública, não sobreviveu ao trauma da mudança da capital”, escreveu. “Em Brasília, foi substituída pela pressão organizada de claques (…) que viajam de ônibus fretados.”
Antes de se isolarem no cerrado, os congressistas eram obrigados a gastar os sapatos na rua, sem a proteção de marqueteiros. Isso permitiu a Villas lançar os Comandos Parlamentares, que marcariam época no jornal “O Dia” a partir de 1951.
Toda semana, deputados e senadores eram recrutados para incursões de surpresa em escolas, hospitais ou presídios do Rio. Os convidados só conheciam o itinerário ao deixar a redação. “Nunca ninguém protestou. Viramos a cidade pelo avesso”, contava o jornalista.
Numa das reportagens, o então ministro da Justiça, Tancredo Neves, foi levado a um abrigo em que meninas eram submetidas a maus-tratos. Na saída, os visitantes flagraram instrumentos de tortura. O ministro transferiu as internas, demitiu a diretora e fechou a espelunca.
Acostumado a Tancredo, o velho repórter se espantaria com as bravatas do atual ministro, Alexandre de Moraes. Há pouco tempo, ele se deixou filmar em trajes de samurai enquanto desferia golpes de facão em pequenos pés de maconha. Depois da façanha, prometeu erradicar a droga no continente —algo mais improvável que ir a pé à Lua. Seria melhor voltar ao gabinete refrigerado.
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