Até o final dos anos 2030, o Brasil construirá como nunca antes em uma geração. É impressionante: mais 40 milhões de domicílios se somarão aos 66 milhões existentes. Mais de meia cidade se somará à cidade existente. O desenvolvimento nacional depende desse terreno. Mas ele está minado.
Economistas que opinam sobre caminhos para a superação da crise, em geral, tratam de macroeconomia. Parece haver consenso sobre a necessidade de aumentar investimentos. Apontam para grandes obras e grandes sistemas, que, por certo, são indispensáveis.
Mas, enquanto o Brasil flanava em águas de almirante e planava em céu de brigadeiro, ouvíamos que os fundamentos macroeconômicos eram fortes, garantindo o progresso do país.
Pouco investimos na qualificação de nossas cidades, embora nelas sejam gerados mais de quatro quintos do PIB.
A saúde, a educação, o conhecimento e a inovação são urbanos. Os micro, pequenos e médios negócios, como os grandes, dependem da boa qualidade de vida urbana. Contudo, o saneamento continuou às moscas; a mobilidade, imóvel; a segurança, caótica; os serviços, inservíveis.
Acabou a bonança, os fundamentos desapareceram, e a cidade ficou à espera de novo ciclo. Será possível?
É preciso buscar outros caminhos. O ciclo das respostas bombásticas passou, os frutos apregoados estavam bichados. Agora, enquanto o Brasil espera reerguer-se — em algum momento o fará —, é hora de o país projetar-se para o presente, de planejar suas cidades e seu território, olhar para o cotidiano da cidade comum, implantar distribuídas soluções que, somadas, dão um grande resultado. Não será fácil, em vista do emaranhado institucional urdido, que precisa ser removido.
Há um precedente a considerar. Acabada a ditadura, o país viu-se frente a um conjunto de leis e decretos concebidos durante os anos de chumbo. Era o “entulho autoritário”, que precisou ser revogado para a vigência da vida democrática. Encontramo-nos, hoje, em situação assemelhada.
Nos últimos tempos, o país produziu uma sucessão de leis que desqualificaram o pensamento criativo e desconstituíram nossa capacidade de planejar. No âmbito público, a desconstrução dos serviços de planejamento urbano e de planejamento de obras foi quase total.
Abandonando a ideia de projeto como categoria cultural autônoma, tais leis tornaram promíscua a relação entre agentes públicos e empreiteiras, dando legalidade a modalidades de licitação cujos preços de obras sustentavam as propinas abundantemente distribuídas enquanto reduziam a qualidade dos serviços.
Não houve argumento racional, embasado tecnicamente, que subsistisse à avalanche de “facilidades” promovidas tanto pelo Executivo, por medidas provisórias, como pelo Legislativo, transformando-as em leis. Mesmo com o avanço da Lava-Jato, editam-se MPs e tentam-se leis nesse sentido — como neste dezembro o Senado o fez com o PLS 559, que multiplica tais facilidades.
Mas agora há um porém: como a “delação do fim do mundo” iluminou o esquema, ficará sob suspeição o governante que adotar tal legislação envenenada, onde está a “contratação integrada/RDC” — a que entrega projeto e obra ao empreiteiro. Como adotá-la conhecendo sua gênese e seu objetivo?
Assim como feito com o entulho autoritário, precisaremos nos desfazer desse vergonhoso “entulho de operações estruturadas”, o entulho da propina. Precisamos recuperar a capacidade do país em se pensar, em se projetar, em se planejar, para enfrentar o impressionante desafio desta geração: construir mais meio Brasil urbano sobre bom terreno, não em terreno minado. Uma cidade onde se possa reerguer o desenvolvimento, mais saudável, menos desigual, mais bonita.
Ano novo, vida nova. Quem sabe?
Mas agora há um porém: como a “delação do fim do mundo” iluminou o esquema, ficará sob suspeição o governante que adotar tal legislação envenenada, onde está a “contratação integrada/RDC” — a que entrega projeto e obra ao empreiteiro. Como adotá-la conhecendo sua gênese e seu objetivo?
Assim como feito com o entulho autoritário, precisaremos nos desfazer desse vergonhoso “entulho de operações estruturadas”, o entulho da propina. Precisamos recuperar a capacidade do país em se pensar, em se projetar, em se planejar, para enfrentar o impressionante desafio desta geração: construir mais meio Brasil urbano sobre bom terreno, não em terreno minado. Uma cidade onde se possa reerguer o desenvolvimento, mais saudável, menos desigual, mais bonita.
Ano novo, vida nova. Quem sabe?
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