Os comentários, aliás, são em tais ocasiões os mais variados. Afirmam ser coisa de velho, haver pouca higiene em se armazenar aquela porcaria na algibeira, o mais saudável seria utilizar utensílios descartáveis de papel. Ofendo-me, é claro! Por que não devo manter alguma tradição em meus costumes? Já mudei tanto, aceitei novidades, modernizei-me, embora aos trancos e barrancos, sou hoje capaz de encarar o mundo estranho em que vivo sem importunar os viventes do entorno. Não custava nada haver alguma reciprocidade, respeitarem gostos inocentes trazidos de um passado que, para mim pelo menos, é recente, parece ter sido vivido ontem. Desejo poder enxugar minhas lágrimas com conforto.
E como tenho chorado!
O mundo se tornou insalubre demais. Se me distraio e abro inadvertidamente algum filme recebido no computador, entro em contato com eventos horríveis, traumatizantes, vejo o ser humano sofrendo injustiças inacreditáveis. Fico logo engasgado, com embrulhos no estômago, a dor me escorre pela face incontrolavelmente. Como ver um pai tentando acalmar um filho que chora com medo de bombas e não tremer de ódio ante o vil? Os dois aterrorizados, tudo em volta chacoalhando, clarões iluminando as janelas e estrondos assustadores. Levo logo a mão para trás, alcanço aquele que sempre esteve ali para me secar o pranto. Permaneço horas impressionadíssimo. Quem mandou ser capaz de sentir com tanta fúria a dor alheia?
Gaza.
Então vejo alguém recitando um poema do palestino Ahmad Assuq. Resultado de teclar inadvertidamente um link no celular. Na telinha surgem escritores judeus brasileiros. Eles revezam-se dizendo versos fortes e sofridos desse poeta tão jovem, apenas vinte e seis anos de luta:
Vamos colocar máscaras
Para não ter que perder
Estes rostos que já não
Reconhecemos
E constato que, embora Adorno tenha dito que a poesia não sobreviveria a Auschwitz, ela está ali sangrando meus olhos, umedecendo minhas mãos, preciso urgentemente do meu lenço.
Gaza.
Como respirar, sorrir, sentar-se à mesa para fazer refeições sabendo que há um massacre sendo realizado?
Como respirar, sorrir, sentar-se à mesa para fazer refeições sabendo que existem crianças com fome e apavoradas?
Não consigo sem meu lenço. Impossível!
Ricardo Ramos Filho
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